Estudantes com reivindicações em cartazes na reitoria da UFRN | Foto: Gabriel Mattos

Por Marianne Plessem e Gabriel Mattos

Desde o início do semestre letivo de 2025.1 diversos estudantes têm relatado por meio de suas redes sociais e perfis de coletivos estudantis casos de assédio e importunação sexual nos ônibus coletivos circulares – veículos que fazem o translado de estudantes universitários para dentro e fora do Campus Natal Central, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 

Segundo Maria das Vitórias Almeida de Sá, Ouvidora da UFRN, cerca de 20 estudantes denunciaram casos de assédio sexual nos ônibus circulares. Para além dessas denúncias, relatos de assaltos e sequestros também foram veiculados nas redes sociais de coletivos estudantis, como o Movimento de Mulheres Olga Benário, impulsionando um alerta sobre a questão da segurança dentro da Instituição.

Na quarta-feira (9), uma estudante foi vítima de sequestro no Centro de Biociências, segundo notícia da Agência Saiba Mais. Ela relatou que estava no estacionamento se deslocando em direção ao seu carro quando foi abordada por um homem branco, armado, de barba e mochila, que violentamente a coagiu a sentar no banco do passageiro.

Após iniciar a condução do veículo, a vítima foi forçada a desconectar-se do ICloud do seu dispositivo. Por não conseguir desconectar-se, sugeriu fazer uma transferência de R$ 400 por pix e levou seus documentos oficiais, com nome de seus pais. Além de ter os pertences roubados, ela foi ameaçada caso envolvesse a polícia, o sequestrador disse que retornaria ao Campus em sua procura. 

A aluna foi deixada num matagal localizado em Ponta Negra, sem carro e nem telefone. Ela precisou pedir socorro aos moradores da comunidade para conseguir entrar em contato com seus familiares, que a conduziram para a delegacia de plantão mais próxima.

Estudantes caminham em marcha reivindicando mais segurança na UFRN 

Em protesto, reivindicando mais segurança para as mulheres dentro do Campus e pelo combate ao assédio, na tarde da última terça (15), estudantes da UFRN realizaram uma Marcha no setor IV, passando por diversos setores e prédios de aulas da Universidade até a Reitoria, onde se deu o fim do ato e houve um momento de falas, intervenções e debates sobre o combate ao assédio e demais violências dentro e fora do Campus. A movimentação foi organizada pelo Diretório Central dos Estudantes José Silton Pinheiro (DCE) – Entidade de representação dos estudantes universitários da UFRN.

Momento que estudantes formam círculo para debate e falas | Foto: Gabriel Mattos

“A gente tem vivido momentos de insegurança dentro do Campus, e a importância do ato de hoje é para chamar a atenção da Universidade, porque é na auto-organização das mulheres que a gente acredita que vamos combater a violência contra a mulher. Estamos aqui cobrando o posicionamento da Reitoria, cobrando ações efetivas e eficazes para esses casos. E, para além disso, a gente está aqui também para cobrar a construção e implementação de um Comitê de Combate à Violência Contra as Mulheres”, disse em entrevista Ana Lívia de Lima, Coordenadora de Mulheres do DCE da UFRN.

Durante o ato foi distribuído pelo Diretório dos estudantes diversos apitos, com eles e cartazes as estudantes denunciaram  os recorrentes casos de violência nas imediações do Campus, e alegaram a ausência de políticas públicas e do poder institucional diante dessa crise que afeta diretamente a permanência estudantil e gera o sentimento de insegurança entre os alunos, além de traumas e questões psicológicas que podem ser desenvolvidas após essas vivências. A Reitoria foi pressionada a adotar medidas concretas e efetivas para enfrentar as situações com urgência.

As estudantes cobraram a implantação de um Comitê de Combate a Violência Contra as Mulheres na Instituição, política que já é vigente em algumas Universidades. Como na Universidade Federal da Paraíba que, após demandas das estudantes e forte mobilização, foi aprovado pelo Conselho Universitário (CONSUNI), na Resolução nº 26/2018, a sua implementação. O Conselho tem o objetivo de combater as opressões de gênero institucionalmente.

Movidas pelo sentimento de insegurança e necessidade de acolhimento e proteção, as próprias estudantes iniciaram uma série de ações de proteção e acolhimento às vítimas, prevenção e combate ao assédio e demais violências que percorrem o cotidiano das mulheres. Essas ações estão sendo desenvolvidas em diversos setores do Campus Central, e vão de aulas de defesa pessoal à uma campanha de apoio às pessoas que estiverem em situação de emergência.

A Tesoureira do DCE da UFRN, Beatriz Cavalcanti explicou que uma das ações do DCE são os apitos, como um movimento para chamar a atenção e para dar a segurança de que “se você apitar, outras vão  socorrer”. A ideia é que esse gesto de apitar se dissemine entre a comunidade da UFRN, e sobretudo, as mulheres, que porventura, têm sido as mais afetadas no contexto das violências.

Intervenção na parada do Circular da Reitoria | Foto: Marianne Plessem

Campanhas contra a violência impulsionada por gestos como esse já se popularizaram em outros países, como o exemplo da #SignalForHelp (Sinal por ajuda), organizada pela ONG Canadian Women’s Foundation, ONG de proteção a mulheres sediada no Canadá. O objetivo foi criar um gesto silencioso, em que a vítima levanta uma de suas mãos e abaixa quatro dedos para alertar: “Preciso de ajuda, violência baseada em gênero”.

No ano de 2021 uma senhora com características de meia idade, ingressou no Centro Médico de Barcelona, na Espanha. Durante seu atendimento fez o silencioso gesto com sua mão, que, identificado por uma enfermeira, resultou na apreensão do seu suposto agressor. 

A vítima relata, em entrevista cedida à BBC News, que sofria maus-tratos recorrentemente, e que esses, muitas vezes, eram físicos. Essas ações demonstram a importância da movimentação coletiva e senso de rede de apoio entre as mulheres, as mais afetadas.

Rede Acolher visa dar apoio às vítimas de violência na Universidade 

A UFRN inaugurou no dia 31 de agosto do ano de 2023 a Rede Acolher, ação realizada pelo Grupo de Trabalho de Combate ao Assédio Sexual. Localizado na Diretoria de Desenvolvimento de Pessoas (DDP), o espaço foi criado visando prestar acolhimento às vítimas de violência, assim como registrar denúncias e encaminhar para outros serviços de atendimento de acordo com a demanda.

Foto: Reprodução/Espaço Acolher

“A fundação do Espaço Acolher, foi um resultado da mobilização coletiva das mulheres. A mobilização sobre esses casos é importante para  termos  resultados como esse. Tem uma máxima que dizemos que nos espaços em que se tem um grupo de mulheres organizado, ele tende a ser um espaço muito mais seguro e com menos violência do que, por exemplo, a instalação de uma delegacia da mulher ou de uma polícia especializada na violência contra a mulher”, ressaltou Beatriz Cavalcanti, Tesoureira do DCE da UFRN

Em um ano de funcionamento foram realizados 23 atendimentos a pessoas da comunidade universitária. A assistência é realizada por uma equipe de profissionais representantes da DDP, Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proae) e Serviço de Psicologia Aplicada (Sepa). O Espaço Acolher é voltado a toda a comunidade universitária, que pode ter acesso ao acolhimento mediante preenchimento de formulário encontrado no Portal da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progesp). 

Para mais informações, é possível contactar de forma anônima a equipe por meio dos contatos espacoacolher@progesp.ufrn.br ou (84) 99193-6014

Reitoria intensifica o patrulhamento na UFRN

Nessa semana, o DCE se reuniu com a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, o Espaço Acolher e a Ouvidoria da UFRN a fim de organizar uma campanha de conscientização e combate a violência contra as mulheres. Na última terça (15), representantes do Diretório também dialogaram com a Reitoria para dialogar sobre as ações que estão sendo reforçadas para a consecução do Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação no âmbito da UFRN.

Vídeo do DCE sobre reunião com a Reitoria da UFRN https://www.instagram.com/dceufrn/reel/DIfSm_9J4kV/

“Nós fomos convidadas a participar dessa reunião para pensar em ações para dentro da universidade. Eles [Ouvidoria da UFRN] mostraram que é muito importante que as denúncias cheguem até eles para que possam agir. Também nos colocamos à disposição para que tenham ações dentro da universidade que incentivem as meninas a denunciarem e também que elas saibam como fazer essa denúncia, porque muitas vezes elas não têm esse conhecimento” relatou Mariana dos Santos, Coordenadora Geral do DCE da UFRN.

Intervenção dos estudantes na Reitoria | Foto: Gabriel Mattos

Diante desse cenário, a instituição intensificou o patrulhamento dentro do Campus com o objetivo de reforçar a segurança. Ademais, em nota publicada nas redes sociais, a administração central da faculdade ainda enfatizou que está mantendo contato com a Superintendência da Polícia Federal e com a Secretaria da Segurança Pública no intuito de ajudar nas investigações para identificação e localização dos suspeitos.

Nesta quarta-feira (16), a Reitoria da UFRN se reuniu com as Forças de Segurança Pública do Estado para tratar dos recentes casos de violência e buscar ações integradas no campus. As informações apuradas pela universidade foram repassadas ao diretor da Polícia Civil da Grande Natal, Marcos Vinícius dos Santos, para procedimentos de investigação. O secretário de Segurança do Rio Grande do Norte, coronel Francisco Araújo, anunciou ações de policiamento ostensivo integrado juntamente com a segurança patrimonial da instituição. A delegada Larissa Perdigão, superintendente da Polícia Federal do RN, ainda ressaltou que casos dentro da faculdade são de competência da PF.

Até o dia 23 de abril, discentes da comunidade universitária também poderão participar de uma consulta pública sobre o enfrentamento ao assédio e à discriminação na UFRN, com a finalidade de conhecer as percepções dos estudantes sobre a problemática e proporcionar um espaço para proposição de ideias e sugestões de ações para o Programa de enfrentamento ao assédio e a discriminação, coordenado pelo Núcleo de Apoio as Pessoas em Situação de Violência.

Em casos de ocorrências nas imediações do campus central, a UFRN pede que seja contactado a Diretoria de Segurança Patrimonial (DSP) por meio dos telefones 08000 84 20 50 e (84) 99193-6471, que funcionam 24 horas. Qualquer manifestação pode ser feita à Ouvidoria da UFRN por meio dos canais (84) 99167-6605 (WhatsApp); Email: contato@ouvidoria.ufrn.br ou o Portal Fala.BR.

A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 – é também um serviço de utilidade pública para denúncias de violência contra a mulher. A ligação é gratuita e está disponível 24 horas por dia em todos os dias da semana. Nele é possível conseguir orientação sobre leis, direitos das mulheres e serviços de atendimento, bem como informações sobre a localidade de serviços especializados e registro e encaminhamento de denúncias. Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar, por meio do 190.

Combate ao assédio para fora do Campus

A vereadora da Câmara Municipal de Natal Brisa Bracchi (PT) esteve presente no ato de terça. Para a ex-aluna da instituição e ex-diretora de mulheres da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), a organização estudantil é fundamental para construir consequências efetivas contra casos como esse. 

Ela citou como exemplo a mobilização do Encontro de Mulheres Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMEUF), que conseguiu por meio da ação coletiva aumentar o valor do auxílio creche, na época R$ 100.

Estudantes com reivindicações em cartazes na reitoria | Foto: Gabriel Mattos

“A gente já teve outros momentos que eclodiram casos de assédio aqui dentro da UFRN. Um dos mais graves, inclusive, foi há alguns anos atrás: uma denúncia de violência sexual que aconteceu dentro do campus. Na época eu era Diretora-Geral do DCE da UFRN e fizemos o processo de organização do encontro de mulheres estudantes aqui para dentro da universidade. Um dos encaminhamentos foi a qualificação da ouvidoria e a construção de um comitê de enfrentamento à violência contra as mulheres, que já é uma pauta histórica para as mulheres estudantes”, afirmou Brisa.

A parlamentar ressaltou, no entanto, que tais casos não estão presentes somente no espaço universitário, como também na cidade. “O problema da falta de iluminação, a questão do transporte público, da falta de ônibus depois das 22 horas é um problema para as mulheres, seja quando elas estão dentro do campus, seja quando elas saem da UFRN”, explicou.

Nesse contexto, o mandato da vereadora está construindo um projeto de lei contra a importunação sexual no transporte público, o qual irá para todos os ônibus da cidade, incluindo os circulares da UFRN, que são concessão da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU). A política está sendo finalizada para ser protocolada na Câmara e tem como objetivo conscientizar, prevenir e punir os agressores identificados