Foto: Marianne Plessem

Por Marianne Plessem

Uma tragédia sistematicamente planejada 

Na última sexta-feira (31), Natal se somou a uma série de manifestações nacionais que ocuparam as ruas do Brasil em repúdio à megaoperação policial realizada no dia 28 de outubro nos Complexos do Alemão e da Penha, na cidade do Rio de Janeiro, que resultou na morte de mais de 120 pessoas. Na capital potiguar, o protesto ocorreu em frente ao shopping Midway Mall e concentrou diversos coletivos sociais, culturais e políticos, que se reuniram contra a violência policial, por justiça e revisão das políticas de segurança pública.

Em protesto, os manifestantes se concentraram no calçadão do maior shopping da cidade e denunciaram o elevado índice de letalidade ocasionado pela operação. Para chamar a atenção da população que por ali passava, foi feito uma grande roda onde, com auxílio de um aparelho de som e microfone, os manifestantes organizaram um espaço aberto para falas e intervenções. Foram expostas faixas e cartazes com frases de apelo por justiça pelas vidas perdidas na operação e paz nas periferias e favelas, que são os mais afetados por intervenções violentas.

O ato foi convocado por mais de 25 Entidades de Natal e teve a adesão principalmente de jovens. Se somaram ao ato os vereadores da Câmara de Natal Daniel Valença e Brisa Bracchi, além da deputada federal Natália Bonavides, todos do Partido dos Trabalhadores (PT). Durante as falas, os manifestantes denunciaram de forma incisiva as práticas autoritárias e violentas adotadas pela Polícia Militar, afirmando que essas ações ocorrem em todas as regiões do país, inclusive no Rio Grande do Norte

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A “Operação de Contenção” foi uma chacina segundo a vereadora Brisa Bracchi, que acredita que a megaoperação integra um projeto de extermínio da população negra e periférica, pois, além de violenta, a operação policial foi incapaz de prender o principal suspeito, Edgar Alves Andrade, também conhecido como Doca, que é o atual chefe do Comando Vermelho. Isso evidencia falhas nos métodos brutais e letais assumidos na operação, que ocasionaram a morte de centenas de civis e uma lembrança inesquecível para o Brasil: uma rua interditada por corpos assassinados pela polícia do Estado, se tornando a maior chacina do país.

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“É o que a gente chama de necropolítica há muito tempo […] Onde os corpos negros e favelados valem muito pouco e, por isso, podem ser exterminados. O que defendemos é o combate ao crime organizado por cima! Alcançando os comandantes das facções, com operações com inteligência e planejamento. Como temos exemplos de operações no próprio Rio de Janeiro que prendeu os chefes do crime organizado, sem um único tiro, na época em que Benedita da Silva era governadora do Rio de Janeiro”, frisa a vereadora.

Brisa relembra o ano de 2002 em que Benedita da Silva (PT), enquanto Governadora do Rio de Janeiro, conduziu a PM a uma operação sem tiros ou mortes, que apreendeu os maiores traficantes do país, Fernandinho Beira-Mar e Elias Maluco.  A vereadora comparou a operação bem sucedida, sem um único tiro, conduzida por Benedita com a megaoperação ocorrida nos Complexos do Alemão e da Penha, conduzida por Cláudio Castro, que acarretou na morte de mais de 120 civis e 4 militares, além dos moradores que saíram feridos e traumatizados com tamanha violência.

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A violência policial do Rio de Janeiro é a mesma que atravessa o Rio Grande do Norte

“Na cidade de Natal também acontece violência policial. A gente teve o caso de Bárbara, o de Giovanni Gabriel, e inúmeros outros. Eu mesma já sofri violência policial aqui”, afirma Dona Liberdade, artista, rapper e militante do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Ela chama atenção para a prática sistêmica do uso da violência pelas forças do Estado para conter a população, sobretudo nas comunidades periféricas. Esse tipo de prática sustenta um sistema com estrutura de repressão voltado sempre a população negra, pobre e periférica.

Dona Liberdade, Militante da Unidade Popular e Movimento de Luta nos bairros Vilas e Favelas. Foto: Marianne Plessem

Os casos de Bárbara Nascimento e Giovanni Gabriel, citados por Dona Liberdade, são exemplos de como as forças de segurança atuam de forma padrão em todo o país. Ambos eram jovens negros que tiveram suas vidas brutalmente interrompidas pela Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte.

Bárbara, administradora, foi morta no dia 12 de abril de 2025, após chegar do trabalho. Ela estava na porta de casa, com sua filha de 4 anos, quando foi atingida por um tiro letal, durante uma operação policial no bairro do Passo da Pátria. Segundo o irmão da vítima, José Fabrício de Araújo, em entrevista ao G1, não houve troca de tiros no local em que Bárbara foi atingida, nem tampouco os oficiais prestaram socorro.  Já Giovanni Gabriel, de 18 anos, foi um jovem assassinado após ser confundido com um assaltante de carro, segundo investigações da própria Polícia Civil. Giovanni desapareceu no dia 5 de junho, a caminho da casa de sua namorada, o jovem costumava ir de bicicleta do Guarapes à Parnamirim, mas sumiu antes de chegar ao destino, sendo encontrado sem vida, com perfurações no crânio, apenas no dia 14 de junho de 2020.

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O que a Chacina do Rio de Janeiro e os casos de Bárbara e Giovanni Gabriel do Rio Grande do Norte têm em comum é a evidente falha no sistema de segurança pública e nos métodos violentos, brutais e letais adotados pelas polícias. Nos três episódios citados pelos entrevistados as vítimas se tratavam de jovens negros, violentados, que tiveram suas vidas retiradas pela Polícia do Estado.

“A quem interessa defender uma operação que mata indiscriminadamente, sem sequer ter chance de perícia?”, questiona a deputada Natália Bonavides acerca da megaoperação ocorrida no Rio de Janeiro.

Foto: Marianne Plessem

Em solidariedade às vítimas da operação, Natália Bonavides foi a única deputada federal presente no ato realizado em Natal. Durante o protesto ela fez duras críticas à condução das ações policiais e negligência com as comunidades violentamente afetadas pela operação. Ela caracterizou a operação como sangrenta e ineficiente. O que aconteceu no Rio de Janeiro foi uma tragédia planejada. Nem o governador do Rio de Janeiro acredita que essa chacina vai fazer alguma mudança significativa na criminalidade do Rio”, destaca Bonavides.

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“Várias operações como essa foram feitas e a efetividade desse formato de repressão é simplesmente nula. Enquanto isso há poucas semanas o governo federal fez uma operação enorme, que conseguiu bloquear muito dinheiro ilegal. Que é o que, afinal, faz com que o crime organizado se sustente e financie o tráfico nas periferias. E fez essa operação sem violência e com um impacto muito maior na desmobilização das atividades criminosas, declara a deputada federal.

Para o Bonavides, as operações policiais que buscam combater e frear o crescimento das organizações criminosas devem ser planejadas e executadas de forma que priorize o direito à integridade física, ao julgamento e à ampla defesa. A deputada repudiou a operação e a postura do Governador Cláudio Castro e dos Vereadores da Direita de Natal, que, segundo ela, impulsionam o avanço de pensamentos como desumanos, como o de que “bandido bom é bandido morto”, proferidos para as vítimas letais da operação. Para Bonavides, esse tipo de discurso reforça a violência e a morte, configurando uma grave violação aos princípios dos direitos humanos. Ela reforçou que no Brasil não há pena de morte e que, mesmo nos países que adotam esse tipo de medida, os réus são submetidos a um processo com dirito a defesa antes.

“A quem interessa defender uma operação que mata indiscriminadamente, sem sequer ter chance de perícia?”, questionou Bonavides em entrevista.

“A gente precisa de uma mobilização independente que pare o país para arrancar justiça por cada uma das vítimas do Estado!”, disse Marina Estrela, representante do coletivo estudantil da UFRN Faísca Revolucionária.

Foto: Marianne Plessem

“A gente defende o fim de todas as polícias. Aqui no Estado, a polícia assassinou Bárbara Nascimento no Passo da Pátria e Giovanni Gabriel no Guarapes. A mesma polícia está na Zona Oeste e em Mãe Luiza reprimindo o povo […] Por isso a gente precisa de uma mobilização independente, que pare o país para arrancar justiça por cada uma das vítimas do Estado!”, disse Marina Estrela acerca da necessidade de mobilizações em todo Brasil que confrontem a violência o uso letal da polícia, defendendo a superação total do atual sistema policial. Para Marina e outros defensores da pauta, o Estado deve revisar o atual modelo de segurança, adotando medidas não violentas e que priorize políticas públicas e justiça social.

Foto: Marianne Plessem

Megaoperação nos Complexos da Penha e do Alemão

Ocorrida na terça (18) e intitulada pelas autoridades de “Operação de Contenção”, a intervenção policial passou a ser considerada um dos episódios mais violentos e letais da história do Rio de Janeiro. Sendo responsável pela morte de 121 pessoas, sendo 117 civis e 4 policiais, segundo o governo do Estado.

A megaoperação foi conduzida pelo Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, e tinha como objetivo frear o avanço territorial do Comando Vermelho (CV) nos Complexos do Alemão e da Penha e cumprir 100 mandados de prisão contra lideranças do crime organizado. A intervenção envolveu cerca de 2.500 policiais civis e militares do Rio de Janeiro e apreendeu 120 armas de fogo, entre elas fuzis, metralhadoras, explosivos e equipamentos militares.

Para a Coordenadoria de Fiscalização de Armas e Explosivos(CFAE), os materiais que agora estão sob posse da Polícia do Estado estão avaliados em cerca de 12 milhões de reais para o CV. Segundo dados da plataforma de transparência consultados pela equipe da CNN, apoia a operação o Governo do Rio de Janeiro investiu cerca de meio milhão de reais na publicidade de 4 publicações dos perfis institucionais do Governo. Todo o valor foi transferido para a META, empresa responsável pelo Instagram, Facebook e Whatsapp. O governo ainda não se manifestou sobre as últimas movimentações financeira.

Cobertura fotográfica completa do ato.

Lista de Entidades que mobilizaram o ato:– PSOL
– MRT
– Faísca
– DCE / UFRN
– ENEGRECER
– ⁠PSTU
– ⁠CSP Conlutas
– PCBR
– UJC
– ⁠Juntos
– Ponto de cultura Casa Afropoty/ Quilombo Flor de Milho
– ⁠PT Natal
– Unidade Popular RN – UP
– Frente Negra Revolucionária – FNR
– Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB
– Movimento de Mulheres Olga Benário
– Movimento Luta de Classes – MLC
– União da Juventude Rebelião – UJR
– Movimento Correnteza
– União dos Estudantes Secundaristas Potiguares – UESP
– FENET
– ⁠ Quilombo Raça e Classe QRC
– COEDHUCI
– ADJC Potiguar
– PCdoB