Por: Emily Silva
Há pouco mais de um ano, a Escola Estadual Antônio Fagundes, localizada no bairro Nossa Senhora da Apresentação, Zona Norte de Natal, viu florescer muito mais do que apenas plantas em seu quintal. Com uma horta comunitária que cresce a cada dia, o espaço já alimenta 30 famílias, oferece uma alternativa mais saudável de alimentação para os estudantes e ainda movimenta a economia local.
Formação prática: esperança debaixo do nosso nariz
Entre os dias 9 de agosto e 11 de outubro, foram realizados encontros e oficinas com foco na formação de novos agricultores urbanos. A capacitação, majoritariamente prática, abordou desde sistemas agroflorestais até o beneficiamento de alimentos — técnicas como desidratação, fermentação e gelatinação foram ensinadas.
Charles, gastrônomo e facilitador das oficinas, vê a experiência como uma “pequena revolução”. Para ele, o combate ao desperdício e a busca pela independência alimentar são essenciais:
“Tem muita gente que precisa comer. Alimento desperdiçado me incomoda profundamente. Tem gente passando fome, e a independência daquelas gôndolas dos supermercados cheias de imitações de alimentos é um passo primordial.”
Políticas públicas e parcerias fortalecem o projeto
O agrônomo Joaquim Diniz, de 56 anos, acompanha o projeto desde sua origem. Atuante em assentamentos de agricultura familiar no Rio Grande do Norte, ele explica que a ação faz parte de uma política pública recente de apoio à agricultura urbana, promovida por meio de parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário.
“Esse projeto é de apoio a hortas urbanas. Acontece em seis hortas no estado. Esta aqui é a única escola estadual beneficiária. As outras estão em Jandaíra, São Gonçalo, na comunidade indígena de Tapará, no Bom Pastor, na Casa do Caminho (Ponta Negra), e no Horto de Macaíba.”
O projeto concluiu três frentes de apoio: fornecimento de materiais (como sementes, ferramentas, madeira para viveiros), formação de 80 horas (com 20 horas dedicadas à gastronomia), e orientação técnica agroecológica voltada para a soberania alimentar nas cidades.
Comunidade ativa e trocas cotidianas
Durante as aulas, era comum ver a presença de homens, mulheres e crianças na escola. Muitas vezes, pessoas da comunidade chegavam com sacolas de frutas e hortaliças excedentes de suas próprias casas, oferecendo para troca ou doação. A prática espontânea fortalece vínculos e diversidade alimentar.
Agroecologia: estratégia da floresta no meio urbano
Parte importante da formação se baseia nos princípios da agroecologia, que propõe uma agricultura em harmonia com os ciclos naturais.
“Agroecologia é usar a estratégia da floresta. É combinar no mesmo espaço e tempo plantas diferentes. A floresta solta folhas, cobre o solo, cria uma camada que, ao se decompor, aduba a terra e refresca o ambiente. Essa poda picada espalhada é uma técnica que aprendemos observando a floresta. E aplicamos isso no meio urbano”, ensina o agrônomo Joaquim.
Alimentação saudável e redução de custos
Para os participantes, além da produção de alimentos, a horta oferece autonomia e saúde. Uma das participantes destacou:

“Nós trabalhamos para comer e pagamos a indústria alimentícia para nos envenenar.”
A formação também abordou o aproveitamento integral dos alimentos e sua conservação por meio de doces, geleias e outras formas de beneficiamento, melhorando a qualidade de vida das famílias.
Mulheres protagonistas do cuidado e do saber
A participação das mulheres foi majoritária e essencial em todas as etapas do projeto. Segundo os organizadores, elas trazem consigo conhecimentos valiosos sobre hortaliças, plantas medicinais e saberes tradicionais:
“Algumas dessas mulheres tiveram infância na agricultura. A gente percebe isso claramente nas oficinas. O quanto elas sabem sobre produção, consumo, remédios caseiros… É impressionante.”
Antonia Pedro da Silva, 80 anos: memória viva e liderança
Uma dessas mulheres é Antonia Pedro da Silva, 80 anos, figura respeitada na comunidade. Hoje aposentada, ela lembra da trajetória de luta e empreendedorismo:
“A associação de mulheres da qual participo começou em 8 de outubro de 1988, vai fazer 40 anos. O intuito principal era gerar renda e beneficiar toda a comunidade. A gente trabalha com artesanato, cria comunidade. Já fui instrutora do Sebrae, da prefeitura, do Senado, do Mulheres Mil. Dei aula em todos os interiores do estado.
Fui agricultora, pescadora, artesã e professora.”
Coutinho: “Falou em plantar, é comigo”
Outra mulher símbolo do projeto é conhecida como Coutinho. Filha de agricultor, ela coordena ações no Jardim Progresso, como a Budega Solidária, a Cozinha Comunitária e o Quintal Produtivo — iniciativas que distribuem e comercializam alimentos produzidos localmente.

“Falou em plantar, é comigo mesma. A gente traz muda, leva muda, troca experiências do dia a dia. Cada um aprende uma coisa.”
Coutinho também é educadora popular em saúde e coordena uma turma do AGPOPSUS, grupo que trabalha com plantas curativas e saberes tradicionais:
“Aprendi com minha mãe a fazer lambedor. Quando a gente estava gripado, nunca tomava remédio de farmácia. E me curei com essa medicina tradicional.”
Uma horta que alimenta e ensina
Hoje, a horta da Escola Antônio Fagundes é 100% natural e abriga uma diversidade de vegetais, folhas e frutas como caju, berinjela, pimenta, macaxeira, batata, cenoura, beterraba, cajá, milho, coentro, cebolinha, manjericão, entre outros.
E vem mais por aí: em breve, o espaço contará com a instalação de um meliponário, estrutura para criação de abelhas nativas sem ferrão. Serão distribuídas 10 colônias de abelhas Meliponas para cada uma das hortas do projeto no Rio Grande do Norte.







