Por Anderson Oliveira
Semana passada, uns amigos do Rio, em uma mensagem de texto, estavam reclamando de uma situação no metrô; aparentemente um rapaz ou uma moça tentou suicídio ao se jogar na linha do Catete. Leitor, se o fato foi consumado ou não, e quem era a pessoa pouco importam no momento; não quero soar insensível, claro, no entanto, é necessário olhar para um outro objeto de bastante importância neste ocorrido: as reações do povo.
Logo com a narrativa do acontecimento, chegou para mim um comentário que exprime as nossas relações sociais contemporâneas e que muito me assustam. O comentário era mais ou menos os seguinte: por que se matar logo em horário de pico? Ele veio seguido de raiva e uma muita indignação por parte da classe de trabalhadores que estavam, no momento do ato, voltando cansados de suas casas. Esse é o objeto, o espírito, a causa primeira do aperto no meu coração.
Como pode, em um momento de morte, um momento em que um indivíduo decide tirar sua própria vida, um momento em que tudo está perdido para uma pessoa que compartilha de uma alma que nem a nossa, no seu último momento ainda ser vítima do ódio? Melhor: como pode um classe de trabalhadores estar tão mentalmente exausta de seus trabalhos árduos, os quais não nenhuma ou quase nenhuma perspectiva de futuro, os quais são horas do seu dia consumidas com a vileza que as grandes cidades podem implantar no nosso espírito, os quais quando se chega em casa não há tempo de conversar com o filho, ir ao teatro ou ao cinema, que são as grandes maravilhas da vida? Como pode parte da população estar com tanto ódio sendo construído em sua alma que no momento em que um outro, igual a nós, morre, a única coisa que passa pela nossa mente é a indagação mais atemorizadora exprimida da mais profunda vileza do nosso interior: “ por que se matar logo em horário de pico?”?
As amarguras do nosso sistema têm se mostrado mais monstruosas, e eu tenho sido atormentado pelas mortes nos metrôs, nos ônibus, nas avenidas, nas casas, nos apartamentos; tenho sido atormentado pelas nossas reações irracionais; tenho sido, principalmente, atormentado pela gradual morte da nossa humanidade, cujo as tripas têm servido de churrasco para esse sistema que não se vê, mas se sente na carne, nos ossos e na alma.