Finalistas e espectadores do Slam RN | Foto: Gabriela Cândido

Por Valcidney Soares

Três, dois, um. Slam!”. É com esse grito, puxado pelo apresentador e acompanhado pela plateia, que o desafio começa. Neste domingo (27), 12 poetas de três cidades diferentes disputaram no Teatro Lauro Monte Filho (Centro) a final do Campeonato Potiguar de Poesia Falada, o Slam RN.

O “poetry slam” nasceu na década de 1980 nos Estados Unidos sob influência do rap. Desde o início dos anos 2000 passou a ter mais forma e impacto, com a criação da rede mundial de slam que promove a Copa do Mundo de Poesia Falada, na França. No Rio Grande do Norte, a primeira batalha de poesia surgiu no final de 2017, pelas mãos de Carlos Guerra Júnior. O rapper e jornalista mossoroense conheceu o estilo em Portugal, durante o seu doutorado. Na terra de Camões e Saramago, Guerra participou das etapas locais da competição e chegou até a final do campeonato nacional. A partir daí, decidiu trazer o gênero para a capital do oeste. Em dezembro de 2017, junto com outros rappers, o jornalista promoveu a primeira edição do Slam Mossoró, ainda em caráter experimental, para apresentar as regras e o formato para os demais poetas. Assim, a partir de 2018, Mossoró passou a figurar oficialmente no hall de cidades que participam do Campeonato Brasileiro de Poesia Falada, em São Paulo.

Carlos Guerra Júnior é jornalista e conheceu o slam durante o doutorado em Portugal. Hoje, organiza o Slam RN | Foto: Gabriela Cândido

Entre o slam e a poesia habitual existem algumas diferenças. Na poesia falada, os poetas têm até três minutos para apresentar seu texto e uma tolerância de 10 segundos. Ao passar disso, perde pontos. “São três minutos para democratizar sua palavra e você faz da forma que bem entender”, aponta Guerra. Além disso, o texto é acompanhado por uma performance e não pode ser utilizado instrumentos musicais. É o poeta e o palco. 

O sistema de notas, segundo o rapper, é “quase anárquico”. Isso porque os jurados são cinco pessoas da plateia escolhidas na hora e o único critério ao atribuir a nota é o sentimento sentido pelo votante. 

Em 2019, o slam potiguar cresceu. Além de Mossoró, entraram em cena Currais Novos, com a Batalha do Gueto, e Natal, com o Rima Central. Cada cidade organizou cinco etapas de competição ao longo do ano e, em cada uma, o vencedor se classificou para a seletiva estadual. Com isso, 15 poetas ganharam a oportunidade de lutar por uma vaga no Slam BR, mas três faltaram. 

Uma característica que liga todas as batalhas é o perfil dos participantes. Em geral, são jovens da periferia que transmitem através das palavras a realidade de suas comunidades. Outro ponto diz respeito ao conteúdo: as minorias têm um espaço ativo nas praças e ruas em que o slam está presente. Temas relacionados à negritude, feminismo, causa LGBT e denúncias sociais são constantes.  “A poesia é nossa arma de luta contra o sistema que a gente tá vivendo”, diz Guerra. 

Para Yane Oliveira,16 anos, a “Poetisa discreta”, a poesia entrou em sua vida por meio de um projeto escolar, ainda quando morava em Caraúbas. Ao se mudar para Mossoró, ela conheceu o slam e recomeçou a escrever. A adolescente diz trazer as temáticas dos grupos excluídos socialmente em seus textos. “Eu trago esses temas na minha poesia e acho muito importante conscientizar as pessoas, trazer isso para a realidade, dar a ênfase de que é normal, é do cotidiano, e nós devemos muito respeito a essas pessoas”, ressalta. 

Ana Rachel, 17, era uma das várias jovens presentes na plateia. Ela, que não sabia da existência da competição em Mossoró, tomou conhecimento a partir da parceria entre a organização do evento e a 12ª Diretoria Regional de Educação e Cultura (Direc), que cedeu quatro ônibus para levar os alunos de escolas públicas da cidade para o teatro. “Eu acabei vindo pro slam porque eu vi uma divulgação na escola, houve uma amostra do que ia haver aqui e isso me chamou muita atenção. Fiquei interessada e resolvi vir”, afirma. 

O poeta Monteiro era um dos finalistas da batalha Rima Central na capital do oeste. O natalense de 19 anos começou a fazer poesia em 2013, por influência do rap. “Eu ouvia os CDs, achava legal, curti a levada e comecei a escrever hip-hop, e depois a poesia livre entrou na minha vida”, diz. O jovem afirma que a escrita também o ajudou em outra batalha, dessa vez contra a depressão: “a poesia veio e entrou como uma porta se abrindo, uma luz no fim do túnel”, relata. 

Entre os 12 finalistas no Teatro Lauro Monte Filho, um nome já se destaca: Lucas Rafael, 21, foi o grande vencedor do Slam Mossoró em 2018 e representou a cidade no Slam BR. Na passagem pela principal metrópole do país, o aluno de Letras – Língua Portuguesa na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) chegou a declamar poesias autorais para o programa Manos e Minas, da TV Cultura. “Eu gosto de colocar o que eu faço como poesia marginal e fico feliz em saber que pessoas do meu bairro acham ‘da hora’. Fiquei feliz em saber, depois que eu voltei de São Paulo, que algumas pessoas mais velhas estavam comentando em grupos de WhatsApp: ‘Pô, você viu o Lucas? Foi pra São Paulo. Estava competindo em um negócio de poesia’”, orgulha-se. 

A literatura periférica que Rafael expressa é resultado de sua vivência. Morador do bairro Barrocas, na Zona Norte de Mossoró, o contato com o rap veio desde a infância. Antes do slam, o poeta já participava da Batalha da Chave, competição de freestyle. Ao acompanhar as disputas e ver os participantes apresentando seus textos, se sentiu incentivado a escrever. 

Com poemas de denúncia ao racismo, o artista atribui a motivação também à música. “Desde meus primeiros contatos com o rap, aquilo ajudou a moldar minha ideologia, a trazer esses questionamentos sociais, independente de que forma seria o discurso”. 

Segundo Lucas, o slam ajuda a alimentar os sentimentos, seja de paixão, vazio ou inspiração. Sobre a identificação do público com os poemas, ele explica: Poetas são idolatrados por às vezes falarem algo que a gente pensa e não fala. Ou algo que a gente está sentindo e não diz pra ninguém, então você vê um poeta ou músico falando aquilo e acaba se identificando”, diz. 

Conhecer a poesia marginal para mim foi muito representativo, ajudou bastante no meu desenvolver, na busca de ler livros, adquirir mais conhecimento e até mesmo no meu crescimento pessoal, nas minhas ideias, e poder colocar isso nas minhas letras”, completa o estudante.

Dividido em três etapas eliminatórias, de acordo com as notas dos jurados, a final do Campeonato Potiguar de Poesia Falada chega à última fase. Para declamarem seus últimos textos, sobram Babi (Currais Novos), Caboco (Mossoró) e Ore (Natal). Com suspense, Guerra Júnior entra no meio do palco com os três poetas que restaram. Para frenesi dos amigos e da plateia, a natalense Ore é aclamada como a vencedora do Slam RN e vai representar o seu estado no sudeste.

Feliz com o resultado, a poetisa sequer esperava chegar tão longe. “Eu fui competir no Rima Central e disseram que eu ia para a seletiva em Mossoró depois. E eu nem sabia que era uma seletiva. Então chegar aqui já foi uma vitória, porque são doze cabeças e eu nunca competi com tanta gente”, fala. 

“Uma música ameniza, metaforiza, e o slam é objetivo, é verdade” | Foto: Gabriela Cândido

Assim como boa parte dos competidores, Ore coloca no papel o que vê no seu cotidiano. Cria do bairro Mãe Luiza (Zona Leste de Natal), o dia a dia na comunidade oferece um prato amargo para compor suas poesias. “Eu venho da favela. A gente cresce com policial invadindo a nossa casa, com tiroteio, com criança traficando para burguês, então é isso que eu quero relatar.”

De acordo com a natalense, é necessário que o discurso da periferia seja amplificado. “A realidade impacta. Então quanto mais objetivo, quanto mais vivência tiver, é isso que vai garantir que as pessoas gostem, se identifiquem e mesmo que não se identifiquem, abram os olhos”, afirma. 

Ore diz ainda que é preciso garantir que os negros tenham espaço para transmitir suas realidades. “É muito diferente quando um branco fala de racismo e um preto fala de racismo, porque é o espaço de voz dele falar sobre sua vivência. Então isso é muito necessário, os pretos estarem lá em cima, estarem se sentindo representados e estarem representando”, salienta. 

Uma música ameniza, metaforiza, e o slam é objetivo, é verdade. Você tem que ouvir aquilo e tem que engolir, então isso me chamou muita atenção”, relata a campeã.