Fachada do Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão, na Ribeira, em novembro de 2025 (Foto: Cláudio Abdon/Arquivo Pessoal)

Texto/edição: Vicente Cabral
Entrevistas: Ágatha Pessoa, Duda Dantas, Jaiula Alves, Sthela Evaristo e Vicente Cabral

Quem passa pelo Largo Dom Bosco, onde está localizada a Praça Augusto Severo, na Ribeira, bairro central, inevitavelmente se depara com o prédio da antiga rodoviária de Natal, onde, desde agosto de 2008, funciona o Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão. O equipamento municipal abriga um acervo de mais de duas mil peças, as quais retratam diferentes manifestações culturais populares não só da cidade, mas de todo o estado do Rio Grande do Norte. Entre tais manifestações, o teatro de João Redondo, folguedos e danças tradicionais (à exemplo do Congo de Calçola e da Araruna), elementos de religiosidade, literatura de cordel e artes naval, sacra e naïf.

Apesar da riqueza do seu acervo e da sua importância para a preservação da história e da identidade popular do povo potiguar, há cinco anos o espaço está temporariamente fechado para visitação, sem qualquer previsão de reabertura. Conforme explica Sheila Trento, 37, gerente do Museu, que assumiu a administração do espaço em fevereiro deste ano, ele está fechado desde a pandemia da Covid-19, no início de 2020: “De lá pra cá, fechou e não abriu mais”.

De acordo com ela, a partir da pandemia, uma série de fatores foi se somando para que o equipamento chegasse à atual situação. Inicialmente, a necessidade de manutenção da estrutura interna do prédio, como pintura, dedetização e reparo no teto e nos ares-condicionados. Posteriormente, o fechamento da Praça Augusto Severo para a realização das obras do PAC Cidades Históricas, de responsabilidade do Governo do Estado. Com sucessivas interrupções e adiamentos dos trabalhos, a área das obras permanece cercada com tapumes, ainda que o acesso ao Museu não esteja prejudicado.

Para Trento, hoje o fechamento da Praça, associado às questões social e de segurança pública relativas às pessoas em situação de rua que lá se abrigam, “é uma das principais razões” pelas quais o Museu ainda não reabriu. Ela acrescenta a isso a necessidade de troca do elevador de acessibilidade e de uma reforma na estrutura hidráulica do prédio – obras sem as quais, em sua visão, não há como reabrir o equipamento ao público.

Elevador de acessibilidade do Museu Djalma Maranhão, na Praça Augusto Severo, em novembro de 2025 (Foto: Cláudio Abdon/Arquivo Pessoal)

“A gente está fazendo o levantamento ainda. Algumas coisas a gente tem, mas tem coisas que ainda a gente precisa fazer. A gente está fazendo um levantamento geral do que precisa mesmo. Principalmente a parte hidráulica”, diz, quando indagada se a Secretaria de Cultura já possui orçamento e cronograma para a realização dessas intervenções.

Mesmo com os entraves apontados, Sheila afirma que, por dentro, o Museu de Cultura Popular, onde ela trabalha com uma equipe de três estagiários, está “praticamente funcional”. Sobre a conservação das peças, explica: “Temos salas, armários, caixas, lugares apropriados onde nós podemos guardar esses acervos”. Algumas peças permanecem expostas no salão principal, “mas tem toda uma manutenção, o cuidado, a limpeza”, acrescenta.

Questionada se, enquanto o espaço permanece fechado, estão sendo tomadas ações para fazer com que a população não perca o vínculo com o equipamento ou o contato com as obras que lá estão, a gerente afirma que não. Ela explica que o que tem ocorrido, “de vez em quando”, é o empréstimo de algumas peças, como para a realização de uma exposição no Museu Câmara Cascudo, no bairro Tirol.

Importância educacional e turística

Ex-presidente da Fundação Capitania das Artes e ex-secretário municipal de Cultura, Dácio Galvão, 68, recorda que a criação do Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão surgiu da identificação de que Natal, à época, não possuía nenhum museu gerido pela Prefeitura. Segundo ele, o prédio da antiga rodoviária foi escolhido para abrigar o equipamento pela “arquitetura respeitável” apontada por alguns arquitetos. Já o nome do patrono homenageia “um grande prefeito, que tinha apoiado a cultura popular no município”.

Dácio, que comandava a Capitania das Artes quando o Museu foi inaugurado, conta que o espaço foi concebido para o estado, trabalhando “traduções escultóricas e etnográficas” com um mapeamento dentro do Rio Grande do Norte. Além disso, conta também que a administração municipal pensou em gerar um museu com “certa inovação tecnológica” para a época: “Procuramos fazer um museu que tivesse os testemunhos materiais, mas, ao mesmo tempo, tivesse uma demanda visual, tecnológica”.

Para o professor e historiador Luciano Capistrano, 57, o Museu de Cultura Popular possui “não só objetivo de guarda de um acervo, mas principalmente de apresentar e de divulgar a identidade do potiguar, do natalense”, com destaque para sua função de espaço de ensino.

Algumas das peças do Museu de Cultura Popular que retratam o teatro de João Redondo, conhecidas como “mamulengos” (Foto: Alex Régis/Reprodução)

“Para além do acervo que ele guarda, você tá ali num espaço que é um espaço importante da cidade. Você está no bairro da Ribeira, que é um bairro que tem uma relação histórica com a cidade. Então, só o fato de você estar visitando um museu localizado naquele bairro já é um ponto importante para a questão do ensino e aprendizagem”, diz.

Além do impacto do fechamento do Museu sobre o aspecto educacional, Luciano destaca também o impacto na atividade turística: “Você tem uma proposta de ter uma cidade turística e tem um equipamento cultural daquela envergadura fechado”. “Eu acho que há uma sede da população de conhecer a cidade. Eu percebo, em alguns momentos, que há uma vontade das pessoas”, afirma o professor.

“Você tinha uma galeria ali, que podia tá apresentando. Você chegava para visitar o Museu, tem uma exposição de um artista local, de um fotógrafo. Depois você subia, visitava, descia. Ia lá na lanchonete, como a gente fazia muito. Uma água de coco, um sorvete, alguma coisa assim. Isso vai gerando uma economia para a cidade. A chamada economia criativa. Você vai movimentando”, ele acrescenta.

Uma demanda de corresponsabilidade

Apesar de afirmar, “sem medo de errar, que, do ponto de vista de representatividade, de identidade localista”, não viu nenhuma casa museológica com o potencial do Museu Djalma Maranhão, Dácio lamenta não ter conseguido o inserir no circuito turístico, “dentro da economia criativa”.

Odinelha Targino, 66, ex-gerente do Museu, lembra que, nos primeiros anos, o espaço foi muito visitado por estudantes e professores, mas o turista era o que ela chama de “turista espontâneo”, aquele “mais consciente da cultura, da identidade do lugar”. De acordo com ela, existe uma pressão dos empresários da área do turismo sobre os gestores públicos para que se façam eventos: “Evento traz cantores, evento traz gente. Gente se hospeda, gente compra, gente vende. Tudo bem, positivo. Mas eles não têm o interesse de divulgar o que existe de memória no município. Para eles, não rende”.

Perguntado sobre uma possível omissão do Legislativo municipal na cobrança e no auxílio pela reabertura do Museu, Dácio vai além e questiona a ausência da classe produtiva da cultura no debate público: “O debate, antes, quem propõe é o Executivo. Vai para a Câmara, aprovando. A gente sempre faz uma proposição. Chega lá, muda tudo. Mas cadê a classe para pressionar?”. Ele ainda complementa: “A Cultura, dentro da estrutura de governo, é um vetor. Uma secretaria de cultura ou uma entidade fundacional não faz cultura, não é um agente cultural, ninguém produz”.

 

Parte da exposição permanente do Museu de Cultura Popular retrata os folguedos e as danças tradicionais do Rio Grande do Norte (Foto: Lara Paiva/Reprodução)

“Com isso, se constituem alguns blocos de três ou quatro grupos. Dominam situações, direções. Aí esses sim vão para a Câmara, fazem o lobby deles”, afirma. Na sua avaliação, cabe aos produtores um ativismo institucional nas instâncias democráticas, para que o direcionamento das prioridades não fique restrito ao “conceito de um gestor”: “Essa demanda é de corresponsabilidade: sociedade civil, classe produtiva, Poder Executivo e depois o Legislativo”.

Indagado sobre essa perspectiva, Luciano Capistrano diz que os grupos de cultura não podem ficar reféns e precisam ser proativos, provocando a ação das políticas públicas. Para ele, ainda que as políticas públicas sejam gerenciadas pelos governos, é preciso que os grupos e a sociedade também se manifestem, digam e cobrem o que entendem ser prioridade para essa mesma sociedade.

Mesmo que a demanda, como eles apontam, seja de corresponsabilidade e que a sociedade deva estar cada vez mais presente no debate, nos casos como o do Museu Djalma Maranhão, o Poder Público não é apenas vetor de implementação de políticas restrito ao que os gestores de ocasião elencam como prioridade.

Por força de lei, compete ao Município promover a cultura, aprofundar a consciência da população sobre o patrimônio cultural da comunidade, bem como criar e manter espaços culturais devidamente equipados. Mas o que se tem visto, com o Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão fechado, em cenário de abandono, há meia década, é a abertura de um vácuo na memória coletiva do povo natalense e potiguar, contribuindo para que a população perca o vínculo com sua própria história, memória e identidade local.

Reportagem produzida para o componente curricular Laboratório de Planejamento e Pesquisa em Jornalismo, sob orientação do professor José Jullian Gomes de Souza (UFRN).