Por Natalhia Pereira
Foto: Lucas Bastos (@aquelebastos)
Morador de Mãe Luíza, o rapper André Lima, conhecido artisticamente por Amém Ore, contribui com o movimento do hip hop por meio de suas letras que denunciam o genocídio do povo negro cometido pela violência policial e as desigualdades sociais da população que vive nas periferias de Natal. Recentemente, ele presenteou mais uma vez o movimento com o lançamento do seu livro Arauto, registrando um marco para a cultura do hip hop potiguar.
Aprovada pela Lei de Incentivo Paulo Gustavo e lançada pela editora Insigne Acadêmica, a obra traz em seu conteúdo a explicação e história de composição das letras de rap nos EPS IRA, ERA e também no ORE, que ainda não foi lançado. O artista se inspirou no livro “Thaíde: 30 anos mandando a letra”, obra com comentários e contextualização de 30 letras de rap do Thaíde, pioneiro do hip hop brasileiro. O embrião do livro já existia nos sonhos de criança do rapper, pois “desde pequeno eu já tenho um desejo de lançar um livro de poesias, eu lembro de quando eu tava no ensino fundamental e ainda fiz um protótipo de um livro, imprimi as páginas, fiz a capa, mas nunca lancei”, compartilha André. Arauto representa a ponte de encontro com essa criança do passado, demonstrando que o livro ocupa esse lugar de concretização de um sonho que atravessava o imaginário de Amém Ore quando ele ainda era moleque.
A obra se materializa como sendo a ruptura dessa distância que existe entre o artista e quem o ouve, a realização do desejo de quem admira o rapper e almeja entrar em contato com o íntimo dele. Nas páginas do livro surge a oportunidade de sanar a curiosidade dos ouvintes sobre as histórias contadas nas letras de Amém Ore, porque o artista ao se debruçar na escrita esmiúça dores, intimidades e cicatrizes que existiam no momento em que ele pegou a caneta e o papel para fazer do rap o seu maior confidente e aliado. “Tem muitas pessoas que me escutam, que já chegaram pra mim e falaram ‘queria saber o significado dessa letra’, então não é um desejo só meu, eu vejo que também é um desejo de quem me escuta. As pessoas me escutam, mas não me conhecem, é uma oportunidade das pessoas saberem o que eu passei”, relata André.
No dia 6 de setembro foi o primeiro dia da turnê de lançamento do livro, realizado no evento Slam no Mirante em Mãe Luiza, que tem as mãos de Amém Ore e do Coletivo Mãe Luiza na organização. O rapper fez uma roda de conversa para discorrer sobre o livro e disponibilizou a venda de exemplares de Arauto com direito a uma sessão de autógrafos. A periferia de Mãe Luiza ter recebido um lançamento de um livro cujo autor é morador do bairro abençoado é simbólico porque desmente o discurso disseminado pela extrema direita de que na favela só tem bandido e tráfico de drogas. Na favela tem cultura, arte, intelectualidade e Arauto prova isso para a sociedade. O restante da turnê também será realizada em outros eventos de poesia. No dia 28 de setembro ocorrerá no Slam Poetizar, em Mossoró, e o fechamento da turnê será no Slam do Coreto, em São José de Mipibu, no dia 18 de outubro.
Foto: Lucas Bastos (@aquelebastos)
Em “Family Friendly, single lançado em 2021 por Amém Ore, há um verso que diz “minha cara tá no jornal da cidade, não é por tráfico de drogas” e esse trecho dialoga de forma íntima para quem é negro, pobre e membro da comunidade LGBTQIA+ porque carregar todas essas identidades é ter um destino traçado pelo sistema desde muito cedo. Quando o hip hop chega nas nossas vidas antes de outros caminhos, assim como chegou na de André, ele sussurra: você pode mudar o seu destino. O verso citado acima virou realidade. O hip hop é um dos maiores agentes transformadores da sociedade e ele dá os seus frutos como retorno. Amém Ore, agora com Arauto nas estantes potiguares, vivem como provas disso.