Por Enzo Soares/Fotojornalismo
Em um mundo cada vez mais dominado pela produção em larga escala e pelo consumo rápido, um grupo de indivíduos ainda mantém o valor das habilidades manuais e da criatividade: os artesãos. De ceramistas que recriam a tradição com toques modernos a tecelãs que transformam fios em histórias, os artesãos fazem parte da nossa cultura e, ainda hoje, resistem e reivindicam um espaço onde a autenticidade e a paixão têm um lugar garantido.
O artesanato faz parte do imaginário social brasileiro. Basta olharmos para as lembranças de viagens que fizemos e em como sempre voltamos com algum tipo de artesanato: um ímã feito de biscuit, um barquinho de madeira com o nome do lugar, um chaveiro ou uma bolsa pintada à mão. De uma forma ou de outra, o artesanato faz parte do nosso dia a dia.
Maria José de Araújo, 56 anos, é artesã e um ótimo exemplo da continuidade dessa forma de conhecimento que passa entre gerações. “Eu já tinha um pouco de conhecimento em artesanato porque minha mãe trabalhava com costura. Ela também tinha algumas habilidades com artesanato. Então, desde pequena, eu fui vendo ela fazendo alguns trabalhos”. Ela acrescenta que aperfeiçoou seu trabalho fazendo cursos e aprendendo outras formas de produzir ao longo dos anos com revistas, clube de mães, associações e até mesmo com vizinhos que também faziam.
“Ainda pré-adolescente, eu observava muito uns vizinhos que eram hippies. Faziam brincos, pulseiras, coisas e tal. E todo dia eles estavam sentados na minha calçada. Eles tinham filhos e eu vinha me aproximando, enquanto as crianças brincavam, eu ficava observando o trabalho. E com o tempo, ele disse: ‘Você quer tentar fazer?’ e eu comecei a fazer as peças praticamente iguais às deles.”
“Eu comecei a fazer artesanato para ganhar algum dinheiro como renda extra. Para ajudar financeiramente em casa. Porque só o meu trabalho, a renda era pouca, né? Então, foi mais como uma renda extra para ajudar. E hoje, eu trabalho só com artesanato, faço bolsas, ecobag de algodão cru, panos de prato, costuro”, revela Maria José.
Bem estar e saúde
“Eu vejo o artesanato, não só na minha vida, mas na de muitos colegas meus, como uma terapia. Porque além de você trabalhar, produzir, vender, ganhar algum dinheiro, você também trabalha muito a mente. Eu me sinto bem fazendo artesanato. Ele ocupa a minha mente, ele trabalha a minha parte emocional”. Maria José ainda fala sobre a importância da interação social na promoção do bem estar em grupos coletivos de artesãos. “Hoje, eu vejo muitos grupos de pessoas que têm muitos problemas. E quando chega nesse momento de produção, né, que tá ali em grupo, naquele tipo de trabalho. Quando chega, é uma pessoa, quando sai, é outra diferente, outro comportamento. Então, eu vejo de uma forma assim, que ele também trabalha a sua parte psicológica, né? Então, melhora muito a qualidade de vida também das pessoas.”
Perguntada sobre as dificuldades de ser artesã, Maria reflete sobre a importância da paciência nos processos de produção “não sei se eu chamaria de desafio, mas acho que uma das coisas mais importantes que você tem que ter para fazer artesanato é a paciência. É muito importante ter paciência para poder produzir, ficar sempre tentando para poder dizer ‘eu errei? vou começar novamente!’ Sempre tentar, nunca desistir”. Ela ainda expõe a questão da idade e sobre conciliar diversos afazeres. “Com a idade, com o tempo, o trabalho está se tornando mais cansativo, né? A mulher tem essa grande responsabilidade: trabalhar fora, o fazer doméstico, tentar conciliar uma profissão. Quando a gente é mais jovem, ainda tem uma facilidade maior, até mesmo na questão de administrar a sua vida, nas coisas diárias.”
Os períodos festivos
Maria José já trabalhou com diversos tipos de artesanato e costura: crochê, biscuit, bijuterias, ecobags, pesos de porta e mais, mas sinaliza que tem épocas do ano que precisa diversificar o trabalho para conseguir mais lucro. “Quando chega a época junina, por exemplo, você trabalha mais com alguns tipos de enfeite, que outros. Você vai diversificando, né? Se focar só numa coisa, às vezes não dá muito lucro, então chega período de festividades e você precisa procurar trabalhar com algumas coisas que sejam vendáveis, como laços, alguns enfeites de peito. Quando chega o Natal, aí tem que trabalhar com coisas natalinas: guirlandas, sinos, botas e outros tipos de produtos.
Precificação de produto: a não valorização do trabalho manual
Maria José aponta sobre a questão da precificação e dos problemas na valorização do trabalho do artesão. Ela expõe o fato dos preços das matérias primas estarem altos no mercado, o que encarece o produto final e muitas vezes o cliente não consegue compreender esse cálculo que é feito do valor do material, da mão de obra, dos custos e do lucro do artesão.
Ela ainda sinaliza que é muito detalhista e que preza pela qualidade do produto que vende. “Uma coisa que eu gosto muito é de manter a qualidade do trabalho do material que uso para produzir. Eu não gosto de fazer uma peça, um trabalho, que quando eu vendo, o cliente reclama depois. Por exemplo, um pano de prato, eu faço também pano de prato com barrinhas, aí você compra uma tricolina que desbota, o cliente vai e reclama. Então, eu sempre vou procurando um material de qualidade. Porque também valoriza a peça, né?”
Artesanato e sustentabilidade
Maria José evidencia a questão do artesanato no reaproveitamento de materiais que de início, iriam para o lixo. “Com o artesanato, conseguimos aproveitar muito material que seria jogado fora. Hoje, conseguimos produzir tricô com os fios de malha, fazer bolsas com retalhos de tecidos, fuxicos para fazer tapetes e decorações. Mas tem a questão de que, hoje em dia, nada mais é dado, até essas sobras de materiais são vendidos. Antigamente era muito comum ir nas fábricas e pegar os retalhos de tecido para produzir, hoje em dia, querem nos vender até as sobras.”
O saber manual
Perguntada sobre a valorização dos saberes manuais do artesanato hoje em dia, Maria José reflete. “Eu acho que uma pessoa da minha idade, para a época em que comecei a fazer artesanato, hoje não iria procurar isso como uma ocupação, ou pensar em ganhar uma rendinha. A gente vê que os jovens estão muito mais ligados à internet. As pessoas não tem mais aquele elo assim de ficar fazendo algum tipo
de trabalho manual, né? Elas ficam procurando coisas que acham mais fácil, do que os desafios de tentar fazer alguma coisa que elas pensam que é difícil, mas que, se tentassem, veriam que é muito mais fácil do que imaginam.”
À medida que o mundo avança em ritmo acelerado, onde a produção em massa e a digitalização parecem dominar cada aspecto da vida cotidiana, as histórias de artesãos como Maria José oferecem uma visão inspiradora. O artesanato não é só para ganhar dinheiro, é também uma forma de arte. A jornada de Maria demonstra um profundo compromisso com a preservação desse conhecimento milenar. Apesar de enfrentar obstáculos, como a valorização do trabalho manual e as dificuldades econômicas, a resiliência e a paixão dos artesãos são um exemplo poderoso do valor da dedicação pessoal. Em um cenário onde a produção desenfreada muitas vezes eclipsa o artesanal, é essencial reconhecer e apoiar essas habilidades que ajudam a embelezar o cotidiano.
O futuro do artesanato depende, em grande parte, do reconhecimento e da valorização contínua dessas práticas. Caminhamos para um futuro onde a sustentabilidade e a autenticidade se tornam cada vez mais valorizadas. O trabalho dos artesãos não é apenas uma tradição a ser preservada, mas uma fonte de
inovação e renovação. Ao celebrarmos o artesanato, celebramos não só um ofício, mas uma forma de vida que mantém vivas as conexões com nossa herança cultural e com as gerações futuras.
“Algumas pessoas acham ainda que o artesanato não tem valor e que não é uma profissão. Eu vejo não só como uma arte, mas como uma profissão que gera uma renda para manter uma família. Eu faço artesanato porque eu gosto muito de produzir coisas. Sempre estou procurando alguma coisa nova e diferente para fazer.