Por Clara Ribeiro
Quando recebeu o diagnóstico de autismo da filha Isabela, então com dois anos e dois meses, a potiguar Renata Mesquita, 31, não sentiu o luto que muitos pais descrevem. Em vez disso, veio um alívio silencioso, a sensação de finalmente ter um nome para aquilo que ela já observava desde os nove meses de vida da filha. “Eu sempre soube que havia algo diferente. Não imaginava que era autismo, mas precisava entender o que estava acontecendo para poder ajudar”, conta.
A história de Renata mostra a realidade de muitos pais de crianças autistas no Brasil: a dificuldade em conseguir profissionais, o alto custo das terapias e a falta de acesso e apoio adequado do governo. Antes do diagnóstico, Renata buscou uma fonoaudióloga por conta própria, pagando com ajuda da família e até rifa. A profissional notou sinais como atraso na fala, movimentos repetitivos e brincadeiras sem função social, recomendando logo uma avaliação com um neuropediatra.
O laudo veio rápido, mas o caminho não ficou mais fácil. Depois do diagnóstico, Renata começou a busca pelas terapias. Ela relata: “Eu sabia que quanto mais cedo Isabela fosse estimulada, maiores seriam as chances de desenvolvimento. Só não imaginava que seria tão difícil”. Mesmo com plano de saúde e tentativas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o acesso era complicado. As sessões necessárias não eram autorizadas completamente, e quando eram, a evolução da criança era prejudicada por trocas constantes de clínicas, profissionais e regras internas.

Foram três anos de instabilidades e incertezas até que, em dezembro de 2024, Renata conseguiu judicialmente garantir o cumprimento integral do laudo. Ainda assim, o processo foi marcado por novas trocas, frustrações e atrasos. “Essa é a pior parte para as famílias, a dependência total de sistemas que não funcionam. Autistas têm apego intenso à rotina, e cada mudança atrapalha tudo. A luta é cansativa, desgastante e causa muita ansiedade”, desabafa.
Para cuidar da filha, Renata precisou reorganizar a vida. Deixou o emprego, buscou trabalhos autônomos e enfrentou dificuldades financeiras. O Benefício de Prestação Continuada (BPC), obtido judicialmente, não cobre as despesas. “A alimentação é restrita, há gastos com fraldas, deslocamento, escola… nada é suficiente”, diz. O desgaste emocional refletiu na saúde: Renata desenvolveu lúpus e ainda não conseguiu acompanhamento adequado pelo SUS. “É difícil escolher entre pagar a minha consulta ou comprar algo para Isabela.”
Apesar de tantas batalhas, ela insiste em celebrar as conquistas da filha. Isabela, que antes era totalmente não verbal, hoje consegue se comunicar, acompanha a turma no 1º ano do ensino fundamental com pequenas adaptações, enfrenta desafios sociais, mas avança pouco a pouco. “Se ela tivesse recebido as intervenções certas lá no início, teria evoluído muito mais. Mas tenho orgulho da trajetória dela. Isabela tem potencial. Ela me ensina todos os dias.”
O pai que viu no diagnóstico o início de uma batalha maior

Se o caminho de Renata foi marcado pela busca incansável por terapias e políticas públicas que funcionassem, o relato de Jonata Nascimento, 41, pai de Davi Fernandes, 10, expõe outra dimensão desse processo: o impacto emocional e a rejeição social que muitas famílias enfrentam logo após o diagnóstico.
Jonata lembra que receber o laudo não trouxe um alívio, mas um choque profundo. “As emoções não foram das melhores. É muito duro lidar com a ideia de que seu filho tem uma limitação, e isso traz o luto, a luta pela aceitação”, relata. Ver Davi necessitando de ajuda para falar, se alimentar e realizar tarefas básicas tornou o processo ainda mais doloroso. “Ninguém quer que o filho tenha alguma deficiência. Quando pensamos no futuro, na independência, tudo isso mexe muito com a gente.”
Mas o maior obstáculo não estava dentro de casa, e sim, fora dela. Jonata descreve que Davi foi rejeitado em diversas escolas após a entrega do laudo. “Tudo ia bem até o momento em que entregávamos o diagnóstico. Aí tudo mudava”, diz. A reação das instituições gerou revolta, estresse e um sentimento de impotência. “A aceitação demora. E quando você finalmente aceita, percebe que o mundo lá fora é ainda mais difícil.”
A rotina familiar também mudou completamente. A esposa de Jonata abriu mão do sonho de fazer faculdade e precisou deixar o emprego para acompanhar as terapias. Ele trabalhava até 36 horas seguidas no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) para garantir o sustento e o tratamento do filho. Mesmo com o desafio, o casal sempre buscou equilibrar as tarefas, alternando consultas, avaliações e sessões de terapia para que o peso não caísse apenas sobre uma pessoa.
Realista, Jonata afirma que não romantiza o autismo. “Não é lindo, não é maravilhoso. É complexo, pesado e exige muito.” Ainda assim, ele destaca que o processo o transformou como pai e como homem. “Hoje, nossa luta é para que Davi tenha um futuro. Cada esforço vale por ele.”
A visão de especialistas

Segundo a psicóloga Rosangela Paula de Souza, 33, especialista em avaliação psicológica e Análise do Comportamento Aplicada (ABA), o diagnóstico costuma ser marcado por angústia, incerteza e solidão, especialmente pela falta de suporte emocional às famílias. Pais idealizam o futuro dos filhos e, ao perceberem que o desenvolvimento não acompanha o das outras crianças, surgem medo, ansiedade e desorientação. Ela afirma que a busca por diagnóstico é desgastante, faltam profissionais, a qualidade do atendimento varia, as filas são longas e os planos de saúde oferecem pouco suporte, ampliando o desgaste emocional e financeiro. “O acompanhamento psicológico para os pais deveria ser obrigatório. Eles vivem uma rotina intensa sem orientação e sem espaço para expressar suas angústias”, diz.
A falta de preparo da sociedade, incluindo escolas e serviços públicos, pesa diretamente na saúde mental das famílias. Comentários inadequados, interpretações equivocadas sobre crises sensoriais e ausência de políticas inclusivas reforçam o estresse diário. “A sociedade ainda confunde autismo com birra, falta de limites ou frescura. Isso adoece mães e pais que já enfrentam tantas demandas dentro de casa”, explica.
Para a psicóloga, o acolhimento é peça-chave na forma como a família lida com o diagnóstico. É esse suporte que ajuda mães e pais a atravessarem a fase da negação, compreenderem o transtorno e iniciarem a aceitação. “A aceitação não é passiva. Ela envolve buscar direitos, lutar por acompanhamento, entender o que o filho precisa e trabalhar pela independência possível.”






