
Por Belita Lira
Aos 66 anos, a potiguar Rosângela Helena Farias da Costa redefine o jeito de fazer turismo no Brasil. Fundadora da Dandara Turismo, ela idealiza e conduz roteiros afetivos e acessíveis voltados para pessoas com comorbidades e mais de 60 anos. Com um olhar atento, uma escuta generosa e alma nordestina, Rosângela transformou o empreendedorismo maduro em uma missão de vida: fazer do turismo um espaço de afeto, inclusão, memória e pertencimento — especialmente para quem mais tem histórias para contar.
Nascida em Natal, Rosângela – que muitos hoje chamam carinhosamente de Dandara – cresceu em diversas cidades do país por conta da carreira militar do pai. Mais tarde, voltou à terra natal e se dedicou ao serviço público federal. Foi nesse retorno que começou a observar mais de perto a negligência com que o mercado turístico tratava o público idoso. Com a experiência adquirida ao cuidar dos próprios pais, percebeu que havia ali uma oportunidade, não apenas de negócio, mas de transformação social.

A inspiração mais profunda para seu trabalho veio de dentro de casa: ao notar os primeiros sinais de Alzheimer na mãe, decidiu que isso não seria um impeditivo para continuarem a viajar. E assim foi. “Ela foi diagnosticada e, mesmo assim, nunca deixei de levá-la nas viagens”, conta. Hoje, tanto a mãe quanto o pai – atualmente em tratamento contra um câncer com metástase – continuam sendo presença constante nos passeios organizados pela agência. “Nem por isso eles deixam de viajar. Eles interagem, participam, sorriem, conversam, se envolvem. Isso é vida”, diz Rosângela.
Essa vivência pessoal virou um marco em sua atuação. “Muita gente diz: ‘Mas ela não vai lembrar depois’. E eu digo: não importa. O que vale é o momento presente, aquele instante de alegria, amor, socialização.” E esse presente tem sido oferecido não só à sua família, mas a centenas de outros idosos e pessoas com comorbidades que encontram, nos roteiros da Dandara Turismo, mais do que uma viagem: um espaço seguro para viver plenamente.
O nascimento de uma nova forma de viajar
Nos anos 2000, Rosângela começou a amadurecer a ideia de criar uma agência que fosse além do turismo tradicional. “Eu pensava que um dia eu montaria uma agência em Natal, uma empresa de turismo que representa o Nordeste e que seja de vivência, de experiência, de encantamento, de acolhimento. É nisso que eu acreditava”. Em busca de conhecimento para consolidar sua ideia de empreender no turismo, Rosângela procurou o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e participou de diversos cursos para entender melhor o mercado potiguar. Foi em uma dessas formações que surgiu, em uma conversa com um consultor, o nome que batizaria sua empresa: Dandara.
Inspirado na figura histórica de Dandara dos Palmares — mulher negra, guerreira, símbolo de resistência e ancestralidade —, o nome caiu como uma revelação. “Olha só que engraçado, meu nome é Rosângela, meu apelido desde criança é Danda, minha família inteira me chama assim. Eu fiquei encantada. Quando ouvi a história dela, disse: ‘Está aí o nome da empresa’. Era para ser. Eu nem tinha falado que meu apelido era Danda. Tudo se encaixou.” Desde então, Rosângela assumiu esse nome com orgulho e afeto. Para ela, essa conexão afetiva também reforça o papel do Sebrae na sua trajetória: “O Sebrae é padrinho da Dandara. Foi lá que o nome nasceu. Eles me deram esse presente.”

Disposta a transformar esse desejo em ação, fez cursos, estudou o mercado e começou a desenhar um modelo de negócio fundamentado em três pilares: cuidado, escuta e inclusão. E assim nasceu a Dandara Turismo. Hoje, a agência realiza desde viagens interestaduais até roteiros internacionais, além de passeios temáticos, eventos culturais e religiosos. Cada detalhe é cuidadosamente planejado para respeitar os ritmos e necessidades dos viajantes. “Temos profissionais preparados para atender pessoas com limitações físicas e cognitivas. A logística é toda pensada para que eles tenham conforto e segurança”, explica.
Os roteiros incluem desde os destinos litorâneos mais procurados até experiências culturais em pequenos municípios nordestinos. O turismo religioso se consolidou como um dos segmentos mais fortes da agência. “O idoso é uma pessoa de fé. Eles agradecem, choram, se emocionam.” E a espiritualidade caminha lado a lado com a celebração da vida: festas temáticas, como o Baile da Saudade, reúnem dezenas ou até centenas de pessoas em momentos de pura alegria. “Eles amam. É um momento de encontro, de celebração da vida.”

Nada é improvisado. Cada grupo, cada roteiro, cada cuidado é feito sob medida. “Eu inovo 24 horas. Estou sempre pensando em como fazer diferente. Quando eu vou para Santa Cruz, por exemplo, penso: vou fazer um roteiro aqui. Mas nunca é igual. Porque a gente escuta o que o cliente quer, sente e cria em cima disso”, diz. Para Rosângela, o público idoso quer — e deve — continuar vivendo plenamente. “As pessoas dizem: ‘Ah, esse já viveu tudo’. E eu digo: não! Ele quer continuar vivendo. Então vamos viver com respeito, com dignidade, com o tempo dele.”
Quando o turismo vira pertencimento
As histórias vividas nos roteiros da Dandara se multiplicam. A aposentada Marli Martins Rodrigues, de 64 anos, já participou de sete viagens com a agência e se emociona ao relembrar as experiências. “É coisa rara de se ver, a oportunidade de ver idosos felizes, vivendo. É a única empresa que observo isso: a valorização e os cuidados com os idosos. Me senti liberta, conhecendo outros ares e desopilando a mente.” Uma das lembranças mais marcantes foi a viagem a Porto de Galinhas, feita com a filha e a neta. “Momento raro porque raramente viajamos juntas.”
A administradora Simone Lôbo Nunes Leal, de 57 anos, também se tornou uma defensora da proposta da Dandara Turismo. Já são quatro viagens feitas e um sentimento recorrente: cuidado e confiança. O que mais a impressiona é o tratamento personalizado que Rosângela oferece a cada integrante. “A Dandara, quando ela planeja um passeio, uma excursão, ela tem um cuidado de agrupar pessoas que realmente têm coisas em comum. Ela pensa em cada pessoa, ela pensa no coletivo, é claro, mas ela pensa em cada componente dessa viagem.”

Mesmo quando não consegue acompanhar os sogros, Simone se sente tranquila ao deixá-los sob os cuidados da equipe. “Ela faz reuniões para explicar como vai ser a viagem, ouvir o que os clientes dela querem. Ela tem muita sensibilidade de ouvir e devolver isso para cada cliente dela de uma forma muito carinhosa.” Para Simone, o que Rosângela construiu vai além do turismo: é transformação social. “Ela apresenta não só os lugares do ponto de vista material, mas também a cultura, as pessoas se envolvem. É como se a cidade estivesse lhe esperando. Pessoas como Rosângela fazem a diferença na vida de uma comunidade, de um local.” A experiência da família com a Dandara já atravessa gerações. “Três gerações no mesmo passeio, e todo mundo voltou encantado.”

Um legado em movimento
Rosângela sabe que seu trabalho não é apenas sobre viagens — é sobre memória, dignidade, visibilidade. E também resistência. “É um desafio e um orgulho chegar onde nós chegamos. São 20 anos de empresa, sobrevivendo sob a direção de uma mulher nordestina sênior. A Dandara é resistência e é também uma forma de mostrar que qualquer um pode continuar sonhando e vivendo, mesmo com limitações físicas, com idade avançada, com Alzheimer ou com câncer. Nós temos que mostrar o nosso valor.”, afirma Dandara, orgulhosa.
Ao longo dos anos, a Dandara Turismo também se tornou espaço de formação profissional. A consultora do Sebrae Hemilly Karoline Paiva de Oliveira, 34 anos, teve sua primeira grande experiência no setor enquanto estagiava na agência durante a faculdade. “O meu ingresso na Dandara Tour foi na época que eu fazia faculdade de Turismo”, recorda. Mesmo após passar por grandes empresas do ramo, como a CVC, ela reconhece a importância da experiência vivida ali. “Foi um aprendizado para além da técnica. Ali havia afeto, havia verdade.”

Hoje, Rosângela se conecta com programas de incentivo como o Plural, do Sebrae, que fomenta o empreendedorismo inclusivo e o chamado “mercado prateado”. Elisete Lopes, gestora do programa, destaca: “Os cursos voltados para o público 60+ são uma excelente oportunidade para quem deseja se reinventar, aprender novas habilidades e explorar o empreendedorismo na melhor idade. Promovem autonomia, inovação e inclusão digital.”
Com os pés firmes no presente e os olhos no futuro, Rosângela continua conduzindo novos grupos, criando novos roteiros e provocando transformações reais. Ao final de cada viagem, uma pergunta sempre se repete: “Quando é o próximo passeio?” Para ela, é isso que importa. “E é isso que eu quero para todos que viajam com a Dandara: viver o agora, com plenitude, com carinho, com dignidade. Isso é mais do que turismo. É cuidado. É amor. É pertencimento.”