Por Clara Ribeiro e Letícia Oliveira
Na última sexta-feira (26), o Departamento de Artes (DEART) da UFRN recebeu uma programação aberta ao público que uniu reflexão e prática sustentável. O evento contou com a exibição do documentário “Seu Estilo, Seu Impacto” e uma roda de conversa sobre os impactos do consumo exagerado da moda. Ao final, houve a feira de trocas que incentivou o reaproveitamento de peças. A iniciativa integrou o “Setembro de Segunda Mão”, promovido pelo movimento global Fashion Revolution.
Além de trazer profissionais do meio ambiente como a pós-graduanda em gestão ambiental, Ava Souza, e a bióloga, Gabriela Neres, o evento também contou com a participação do psicólogo Lucas Soares. Juntos apresentaram como funciona os impactos ambientais e discutiram maneiras de como cada um pode contribuir para diminuir os dados negativos e também debateram como lidar com o lado emocional ao viver em meio a um colapso ecossistêmico.

“Pense Global, Aja Local”
Criado em 2013, o movimento Fashion Revolution surgiu em Londres após o desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh. A tragédia matou mais de mil pessoas e deixou outras milhares feridas, sendo principalmente trabalhadores. O acidente revelou as condições precárias da indústria têxtil em que esses operários se encontravam. Em resposta, a ação co-fundada por Carry Somers e Orsola de Castro foi desenvolvida para questionar os impactos da moda, além de promover a transparência e a valorização dos funcionários através desta campanha global. Essa mobilização chegou ao Brasil em 2014 e, desde então, oficinas e eventos acontecem durante todo o ano em algumas cidades brasileiras.
O tema deste ano, “Pense Global, Aja Local”, reforça a ideia de que pequenas atitudes individuais podem gerar transformações coletivas de grande alcance. A proposta é incentivar que cada pessoa repense seus padrões de consumo e busque alternativas sustentáveis dentro da própria comunidade, entendendo que escolhas locais, como trocar, reutilizar e valorizar a produção consciente, contribuem diretamente para reduzir dados negativos.
Em setembro, o movimento promove o “Setembro de Segunda Mão”, que incentiva a circulação e trocas de peças de roupas e acessórios. Além da Feira de Trocas, o evento também exibiu o documentário “Seu Estilo, Seu Impacto” e recebeu profissionais para uma roda de conversa.
Consumo Consciente x Desperdício: O alerta da moda
A exibição do documentário “Seu Estilo, Seu Impacto”, dirigido por Luciana Brafman e Ricardo Carioba, abriu o evento. A produção audiovisual expõe as sequelas no planeta com a ascensão do fast fashion que se responsabiliza por até 8% da poluição global.
Os profissionais alertam sobre as roupas de baixa qualidade que são feitas na atual indústria para conseguir atender o fluxo de tendência acelerado que muda constantemente. A tintura, por exemplo, não só impacta o meio ambiente como também a saúde dos consumidores, já que alguns pigmentos e outros componentes podem causar alergias.

Além disso, o documentário pergunta: “você sabe quem produz suas roupas?”, exigindo transparência sobre as condições de trabalho dos operários de produção, que são usados como mão de obra barata e colocados em situações precárias para acompanhar as novidades da moda.
Após a exibição, Vivian Pedrozo, que atua como representante do Fashion Revolution em Natal/RN, acrescentou que a cada segundo um caminhão de roupas é jogado fora no mundo, o que equivale a 92 milhões de toneladas por ano. Esse desperdício se deve à lógica do setor de confecção, que desde os anos 2000 dobrou sua produção, mas fabrica peças com vida útil cada vez mais curta. O resultado é que muitas roupas, quando não são vendidas, vão diretamente para lixões ou até para lugares como o Deserto do Atacama, no Chile, onde as pilhas de tecidos descartados já podem ser vistas por imagens de satélite.
Emoções como guia
De acordo com o psicólogo Lucas Soares, 60% dos jovens brasileiros estão preocupados com a crise climática atual e as consequências no futuro. Assim, esse medo crônico e generalizado é chamado de “ecoansiedade”. Porém, o especialista cita que sentimentos como ansiedade, raiva, tristeza e medo não são, em geral, negativas, já que elas desempenham funções importantes, ajudando a identificar problemas para se proteger e agir.
Lucas destaca: “essa sensação de impotência pode gerar ansiedade, estresse e até sintomas físicos. Mas se aprendermos a identificar e nomear nossas emoções, conseguimos transformá-las em ações construtivas”. Entre as estratégias apresentadas, o psicólogo sugeriu exercícios de análise emocional, planejamento de ações e engajamento em projetos coletivos como formas de canalizar sentimentos em mudanças reais.
Juventude pelo Meio Ambiente
A conversa incluiu a participação da pós-graduanda em gestão ambiental, Ava Souza. A gestora compartilhou seu interesse pelo meio ambiente que resultou em sua troca de profissão, da área da saúde para a ambiental. Além disso, a profissional se abriu ao falar sobre sua revolta com a emergência climática atual e, a partir da reflexão sobre o comportamento das pessoas ao seu redor e o próprio, decidiu atuar com seus próprios valores, usando seu inconformismo pessoal para fundar o projeto social de acolhimento e recuperação de saúde de animais em situação de rua e vulnerabilidade, chamado “Apadrinhe um Pet RN”.

Para ajudar financeiramente a instituição, Ava pensou em usar a reciclagem para obter a renda necessária. Deste modo, a voluntária incentivou a reciclagem para aqueles que teriam interesse em colaborar financeiramente com o programa sem necessariamente doar dinheiro.
Ava também destacou a importância da destinação correta dos resíduos gerados pela indústria têxtil, como retalhos de tecido. Segundo ela, toda fábrica possui a obrigação de dar um destino adequado a esses materiais, mas, na prática, muitas pequenas e médias empresas enfrentam dificuldades para cumprir essa exigência. O incentivo à reutilização desses retalhos não apenas reduz o impacto ambiental da produção, mas também cria oportunidades para costureiras e iniciativas locais que transformam o que seria descartado em novos produtos.
Já Gabriela Neres, que atualmente é bióloga e mestranda em ecologia, compartilhou sua vivência na defesa da biodiversidade e no ativismo jovem, participando voluntariamente da COAMB (Comunidade Ambiental) e do Engajamundo. A bióloga expôs em sua apresentação como o descarte indevido de roupas e acessórios causa poluição do solo e da água, liberando substâncias químicas e microplásticos, contribuindo para a emissão de gases poluentes na produção de peças.

Alternativas Possíveis
Experiências como feiras de trocas e brechós foram apresentadas como exemplos de consumo mais consciente e acessível. Nessas iniciativas, roupas que poderiam parar no lixo encontram novos donos, prolongando sua vida útil. Os palestrantes reforçaram que a peça mais sustentável é sempre a que já está no guarda-roupa ou circulando na comunidade.
No entanto, fizeram um alerta contra o chamado marketing verde. Essa estratégia adotada por empresas tem como objetivo impulsionar a sustentabilidade e a criação consciente de seus produtos de forma ecologicamente positiva. Entretanto, algumas o usam numa prática enganosa apenas para atrair consumidores preocupados com pautas socioambientais, sem verdadeiramente adotar as práticas.