Espaço de produção das bordadeiras de Timbaúba | Foto:Acervo Pessoal

Por: Giovanna Dubiniak

A moda autoral se define pela criação de peças singulares e exclusivas, onde o designer acompanha de perto todo o processo, desde a escolha da matéria-prima até a etapa final. Esse movimento tem ganhado projeção global e, no Rio Grande do Norte, se destaca pela criatividade e forte identidade local. O setor já demonstra sua força econômica: apenas no primeiro bimestre de 2025, as marcas autorais potiguares faturaram mais de um milhão de reais – segundo dados do Sebrae.

O avanço no estado é notável. A força desse movimento é personificada por figuras como Deborah Sayonara, Raíssa Barbosa e Jéssica Cerejeira, líderes e empreendedoras que trabalham para colocar a moda potiguar em destaque nacional.

Deborah Sayonara, Jéssica Cerejeira e Raíssa Barbosa | Foto:Acervo Pessoal

Deborah Sayonara, 47 anos, presidente da Associação de Moda do RN (Amo RN), detalha que a associação surgiu em janeiro deste ano a partir de uma articulação com o Sebrae. “O Sebrae já vinha batalhando com o pessoal da área da moda, principalmente a figura de Verônica, que capacitou alguns empresários e esses empresários montaram essa diretoria”, explica. Para Deborah, consolidar a moda potiguar é urgente em um cenário competitivo porque “a gente está meio que engolido pelo mercado de Pernambuco e do Ceará, então a gente tem que sair dessa linha do patinho feio para colocar a cara no mundo”.

Essa visão estratégica é compartilhada por Raíssa Barbosa, diretora da Associação e fundadora da Fils To Fitwear, que avalia o crescimento recente com otimismo. “Na minha avaliação, vejo o crescimento da moda autoral potiguar nos últimos anos como bastante positiva e encorajadora”, afirma. Deborah reforça a riqueza do estado, lembrando da força industrial: “A gente tem a maior indústria da América Latina de confecção, que é a Guararapes, e que produz muita mão de obra para o mercado”. No entanto, ela reconhece um desafio cultural interno: “A gente precisa mudar esse mindset de que o que é de fora é mais bonito.”

As líderes citam obstáculos estruturais, como a escassez de mão de obra qualificada, a dependência de matéria-prima de outros estados, o baixo poder de consumo local e a logística custosa. “O ticket médio de consumo do nosso estado é muito baixo e a logística é uma das piores do país”, aponta Deborah. Raíssa complementa que isso encarece a produção autoral. Apesar dos contratempos, ambas destacam avanços impulsionados pelo Sistema S, editais e projetos como o Natal Pensando Moda. Raíssa enfatiza que “a moda autoral incentiva a geração de emprego e renda em diversos setores, desde o design de estampas ao desenvolvimento de coleção.”

A virada no setor passa também pela formação. Jéssica Cerejeira, 30 anos, atua no SENAI e iniciou sua trajetória na moda aos 15. Em 2015, representou o RN no Senai Brasil Fashion sob a mentoria de Ronaldo Fraga. “O estímulo dele [Ronaldo Fraga] me fez olhar pra cá e aí quando eu voltei pra cá eu comecei a pesquisar, comecei a me inteirar do que eu poderia falar,” relata. Sua coleção de TCC uniu elementos da presença americana em Natal nos anos 40 a referências da figura de Maria Boa.

Jéssica ressalta a importância de disciplinas como Precificação e do incentivo à TCCs autorais, além do Sebrae Tech, que subsidia 70% das consultorias do SENAI, facilitando o desenvolvimento de modelagem e peças-piloto para marcas iniciantes. No campo das dificuldades, ela aponta a desvalorização de costureiras e modelistas, a logística ruim e a falta de fornecedores especializados. Para as três, o caminho passa por união e estratégia, exemplificado pela criação da Amo RN e pela presença crescente de marcas potiguares em feiras internacionais. Raíssa resumiu a ambição: “Eu vejo uma moda potiguar que se tornará um símbolo da riqueza cultural do nosso Estado, sendo reconhecida por sua beleza, ética e a alma de seu povo.”

Cauê Fernandes e Jailma Araújo | Foto:Acervo Pessoal

Paralelamente, Cauê Fernandes, CEO da Sem Etiqueta, enxerga uma década de evolução. Do outro, Jailma Araújo, coordenadora de Desenvolvimento Econômico e Artesanato de Timbaúba e presidente da Cooperativa das Bordadeiras, mantém viva uma tradição que atravessa gerações. Ambos chegam à mesma conclusão: a moda potiguar se fortalece quando abraça suas raízes.

Cauê lembra que o cenário era completamente diferente quando sua marca começou. “Cara, eu enxergo a evolução da moda autoral em Natal como muito positiva, sabe? Quando a gente começou lá atrás, dez anos atrás, era muito incipiente. As pessoas não tinham acesso, não sabiam exatamente como empreender nessa área.” Com o passar do tempo, o mercado abriu espaço para marcas pioneiras. “Acredito que a Sem Etiqueta foi uma marca pioneira nesse quesito, moda autoral. Outras surgiram, outras ficaram pelo caminho e muitas surgiram nesse meio tempo.”

No entanto, os desafios financeiros continuam grandes. “Você conseguir arrecadar capital suficiente para os primeiros investimentos, colocar para rodar seu material, conseguir um ponto, muitas pessoas que têm criatividade e vontade, não têm esse capital.” Além disso, o consumidor precisa ser transformado. “Existe o convencimento da própria população de que aquele produto tem tanta ou mais qualidade do que o importado.”

Essa luta por reconhecimento está em Timbaúba, onde Jailma Araújo cresceu ao som das máquinas de pedal. “Eu cresci brincando na máquina. Aprendi a bordar aos 12 anos, mas ganhei minha primeira aos 3. O barulho da máquina eram as minhas cantigas de ninar.” Hoje, ela lidera a Casa das Bordadeiras, iniciativa criada entre 2004 e 2005 para estruturar e dar visibilidade às artesãs locais. “Ela foi construída para dar suporte às bordadeiras: comercialização, oficinas, qualificação. Desde então, tenho vivido essa missão.”  Para Jailma, “O bordado, para mim, representa muito mais do que uma fonte de renda. É um caso de amor. É a minha terapia. Me faz bem bordar.”

O bordado de Timbaúba, que utiliza máquinas de pedal, ganhou identidade própria e hoje ocupa espaço crescente na moda contemporânea. Uma peça da Casa apareceu no Prêmio Grammy Latino, usada por João Gomes. “Foi uma grande surpresa… eles aproveitaram recortes que tinham dado defeito. Saber que nosso trabalho marcou aquele momento da vida dele foi emocionante.”

Assim como Cauê busca fortalecer a moda potiguar diante de pólos consolidados, Jailma enfrenta a pressão da produção em escala. “Nosso maior desafio é competir com máquinas computadorizadas. Uma peça artesanal nunca será exatamente igual à outra.” Mesmo assim, o reconhecimento cresce: “Hoje já reconhecem como sendo daqui. Tem gente que entra na cidade só para comprar. Isso nos enche de orgulho.”

Para Cauê, a autenticidade é o que sustenta qualquer marca no longo prazo. “Você não pode depender só de um bom produto, ou só de um influencer. Você tem que construir raízes, capilarizar no local onde você está.” A Sem Etiqueta se posiciona além da moda. “A ideia é que não seja uma marca de roupa, e sim uma marca que represente Natal, o Rio Grande do Norte, os potiguares.”

Essa ligação com o território gerou iniciativas únicas, como o bloco de carnaval da marca: “Amo Olinda, mas não largo do Ateneu.”

Apesar das diferentes funções e desafios individuais, os protagonistas da moda potiguar convergem em um ponto fundamental: o reconhecimento. A produção autoral, ao abraçar o bordado, a história e a identidade local, transforma-se em algo maior que um produto comercial, ela é o futuro símbolo cultural do Rio Grande do Norte, carregando a beleza e a alma de seu povo.

A moda que nasceu em mim

Desde o início, a escolha da reportagem sobre Moda Autoral não foi apenas uma decisão aleatória. Minha primeira opção de curso era moda, mas infelizmente não foi possível realizá-la naquele momento. Mesmo assim, sigo com o plano de cursar moda no futuro, porque a moda, para mim, vai muito além de roupas ou de estilo. Tudo o que sei sobre costura e criação aprendi com a minha avó, uma pessoa extremamente importante na minha vida, que praticamente me criou. Infelizmente, hoje ela está doente, mas, graças a Deus, ainda está viva. Foi com ela que aprendi a amar a moda de verdade. Por isso, essa reportagem foi tão especial desde o primeiro instante: eu não a escolhi por acaso. Ela carrega muito da minha história. Todo o processo de pesquisa também foi muito marcante. A forma de contato com as marcas foi, na maioria das vezes, pelos próprios instagrams: eu mandava mensagem pelo direct, e a partir disso conseguia o número da pessoa responsável pela marca. E assim fui seguindo, contato por contato, até conseguir realizar as entrevistas. Fiquei extremamente feliz por conseguir falar com a Associação de Moda do Rio Grande do Norte, com uma especialista do Senai e com duas marcas muito importantes do estado: a Casa das Bordadeiras, que recentemente teve uma peça no Grammy Latino, e a marca Sem Etiqueta, que inclusive foi uma sugestão sua professora Socorro. Essas conversas foram riquíssimas. Aprendi muitas coisas que eu não sabia, como, por exemplo, o fato de o Senai subsidiar até 70% de parte dos custos de algumas marcas, o que é um incentivo enorme para quem está começando. Já sobre a Casa das Bordadeiras, aprendi que, apesar da cooperativa ter sido criada há menos de 25 anos, o bordado naquela cidade é uma tradição passada de geração em geração. Praticamente todos os moradores sabem bordar, o que eu achei simplesmente incrível. Apesar de toda essa parte gratificante, também enfrentei desafios. O maior deles foi o contato com as marcas: enviei mensagens para muitas pessoas, e várias não responderam. Algumas até responderam, marcaram entrevista e depois sumiram. Isso foi frustrante, mas fez parte do aprendizado. Mesmo com as dificuldades, fiquei muito satisfeita com o resultado final. Sinto que minha reportagem ficou completa e que meu trabalho não poderia ter saído melhor. Gostaria de ter escrito ainda mais, mas havia um limite de linhas, e eu até ultrapassei um pouco. Sei que ainda ficou coisa de fora, mas, mesmo assim, me sinto muito feliz e realizada. Esse trabalho foi muito importante para mim. Ouvir essas histórias, aprender com elas e poder contá-las através da minha escrita foi algo incrível. Mais do que uma simples reportagem, esse projeto representou um pedaço da minha própria história.