Por João Victtor e Marta Evelin
Professor, jornalista e pesquisador, Francisco Duarte carrega mais de quatro décadas dedicadas à comunicação social e ao ensino público. Referência em jornalismo e ética, ele faz da escuta atenta e do compromisso social os pilares de uma trajetória marcada por conquistas valiosas e histórias que atravessam gerações. Sua jornada continua: agora, moldando as vozes do jornalismo de amanhã.
Francisco de Assiss Duarte Guimaraes morava no Carrasco, área suburbana de Natal, em uma realidade marcada por simplicidade e poucos recursos. “Lembro que almoçava um ovo cozido com farinha e sal, e um pouquinho de arroz, porque era uma coisa mais barata”, recorda o professor. Desde cedo, ele já ensaiava os primeiros passos no jornalismo, mergulhado em leituras e pequenos exercícios de escrita. O fascínio pelas palavras veio ainda na infância, ao se deparar com as páginas da Tribuna do Norte. “Eu fiquei encantado com aquele mundo de informação, de letra, de ideias, de pessoas falando e conversando, mostrando as coisas”, conta, com o brilho de quem encontrou, naquele papel impresso, uma janela para o mundo.
Apesar do encantamento precoce pelo jornalismo, Duarte sequer sabia que a profissão tinha um curso universitário. Quando chegou o momento de prestar vestibular, sua primeira opção foi Educação Física — escolha influenciada por uma breve passagem pela carreira militar. Durante o tempo em que serviu na Base Aérea de Parnamirim, viveu uma experiência que o marcaria profundamente: ao explorar os espaços da base, descobriu uma biblioteca. Foi ali, entre as prateleiras, que teve contato com os clássicos da literatura brasileira e estrangeira. Aquelas leituras despertaram ainda mais sua curiosidade pelo mundo das palavras e aprofundaram o vínculo com a escrita e a interpretação. Foi só no momento da inscrição no vestibular que descobriu, por acaso, que o curso de Jornalismo existia, mas na época o curso tinha outro nome: “Comunicação Social – Jornalismo”.
O início na profissão não foi fácil. Como tantos outros jovens jornalistas em busca de uma oportunidade, ele precisou abrir mão de muita coisa para ganhar espaço no mercado. “Lembro que trabalhei no Diário de Natal, três meses, de graça. Só para conseguir experiência”, conta. Durante esse período, mesmo sem remuneração, escreveu matérias que chamaram a atenção dos editores e, pouco tempo depois, acabou sendo contratado. Com a bagagem em crescimento, seguiu para a Tribuna do Norte — o mesmo jornal que o encantava na infância —, onde produziu sua primeira grande reportagem investigativa. A apuração profunda, o trabalho minucioso de campo e a possibilidade de revelar o que está escondido aos olhos do público. O jornalismo investigativo é uma das áreas que, até hoje, ele considera mais fascinantes dentro da profissão.
Foi justamente na Tribuna do Norte que vivenciou um marco em sua trajetória profissional. A primeira grande reportagem investigativa surgiu a partir de uma denúncia: a Lagoa de Extremoz, responsável por abastecer boa parte da Zona Norte de Natal, estava tomada por uma estranha escuridão. “Ninguém sabia o que era”, lembra. Decidido a entender o problema, percorreu as margens do rio Guajiru, que alimenta a lagoa, até chegar à nascente — onde descobriu que uma usina de cana-de-açúcar despejava resíduos diretamente na água. “Matava os peixes, as plantas, tirava o oxigênio da água”, relata. A denúncia não foi bem recebida: durante a apuração, ele e o fotógrafo, Richardson Sant’Anna, foram ameaçados com uma arma pelo filho do dono da usina. O jornalismo investigativo é uma área que exige muito cuidado, pois o jornalista fica exposto a vários riscos. Ainda assim, a matéria foi publicada, e o rio voltou a correr limpo — garantindo água de melhor qualidade à população. Foi a confirmação de que, mesmo diante do perigo, o jornalismo pode ser um instrumento de transformação.
Ainda como estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Duarte já demonstrava um forte compromisso com as questões éticas e políticas da profissão. Nos anos que antecederam a promulgação da Constituição Federal de 1988, ele participou de mobilizações em Brasília ao lado de outros estudantes, jornalistas e representantes da sociedade civil. Para garantir que a nova Carta Magna assegurasse o direito ao sigilo da fonte e o acesso à informação. Pilares essenciais para o exercício do jornalismo em uma democracia.
Com o tempo, Francisco conquistou reconhecimento nas redações por onde passou. Ocupou cargos de liderança em empresas jornalísticas privadas, onde pôde não apenas produzir, mas também orientar equipes e pensar estratégias editoriais. No entanto, foi graças a uma conversa com um amigo que sua trajetória teve um novo rumo. Ele soube que a UFRN abriria um concurso para professor na área de Comunicação. Incentivado pela dica, decidiu se inscrever — e foi aprovado. Assim teve início uma nova fase em sua vida: a de educador. Se antes atuava diretamente na apuração e produção de notícias, agora passaria a formar novas gerações de jornalistas, compartilhando experiências, reflexões e os valores que sempre guiaram sua carreira.
“Eu costumo dizer que eu encontrei o jornalismo e o jornalismo me encontrou.”
Quando questionado sobre como ele enxerga o futuro do jornalismo, o professor respondeu que é um “jornalista de transição”. Vivenciou a passagem do analógico para o digital, do concreto para o virtual, e acumulou um repertório que o permitiu enxergar as mudanças com lucidez e senso crítico. Com pesar, testemunhou o fechamento de cinco importantes jornais no Rio Grande do Norte em poucos anos, entre eles o centenário O Mossoroense, um dos mais antigos da América Latina. “Apesar de tudo, a essência do jornalismo permanece”, afirma.
Para ele, não é a plataforma que define a profissão, mas o compromisso com os fatos, com a informação e com o interesse público. Mesmo diante das transformações tecnológicas e das crises no modelo de negócio, ele acredita que o jornalismo seguirá relevante, porque continua presente — das redações tradicionais às redes sociais. Para os futuros profissionais, ele recomenda atenção às mudanças, domínio das ferramentas digitais e, sobretudo, fidelidade à ética e à essência da profissão: informar, questionar e transformar.