Natiuska Salleska relata a realidade de ser uma jovem estudante surda
Por Eliza Hikary e Maria Luiza Guimarães
As mãos falam. Para Natiuska Salleska Lopes, gestos são os únicos “sons” que ela consegue “ouvir”. No dia 17 de junho de 1997, corredores de um hospital natalense ficaram mais barulhentos por alguns minutos, mas Natiuska não ouviu nada.
A estudante de 22 anos nasceu surda. Durante a gravidez, sua mãe foi informada que a filha nasceria com a inabilidade de escutar, consequência da rubéola contraída durante a gestação. No entanto, só acreditou nisso quando percebeu que sua filha de um ano não atendia aos seus chamados. “Ela me levou em fonoaudiologos particulares e fiz tratamentos. Depois de ir pro SUVAG, aprendi a me comunicar, por insistência das minhas irmãs e minha mãe”, comenta Natiuska.
O SUVAG é um instituto médico em Natal voltado à oralização dos surdos e leitura labial. Em sua família, não haviam outros surdos, o que resultou na graduanda em Letras – LIBRAS, a ter que se adaptar ao ambiente dos ouvintes. Em um sistema educacional que não inclui aqueles com alguma necessidade especial, Salleska cresceu sem intérpretes na escola.
No convívio na sociedade, aqueles que se afastam do que é visto como “normativo”, têm que se moldar ao que é pregado para o resto da população. Para Natiuska, não foi diferente. Antes de entrar no Ensino Superior, sua rotina escolar era baseada em copiar o que era escrito no quadro. “A professora, por exemplo, quando estava de costas e copiava e falava, eu não conseguia acompanhar”, relata Salleska.
Em algumas ocasiões, um colega de sala ajudava a estudante a compreender os questionamentos nas atividades e provas, apesar da comunicação limitada. No quinto ano do Ensino Fundamental, Natiuska pensou em desistir dos estudos, assim como outros estudantes surdos estavam parando de ir à escola. “Estava muito angustiada. Matemática e Português eram muito pesados. Não conseguia entender nada”, retrata Salleska. Ao ver a realidade da filha, sua mãe explicou, por meio de gestos, que se não fosse no meio acadêmico, o futuro da jovem seria de trabalhos braçais. Por meio desse incentivo, Natiuska escolheu se empenhar na área educacional, inspirando a sua primeira graduação em Pedagogia, pelo Instituto Brasil de Pesquisa e Ensino Superior (IBRAPES-UVA).
Durante sua trajetória universitária, sua condição como estudante surda foi enriquecida. No percurso de três anos e meio, teve quatro intérpretes, que trocavam entre si. Apesar da inconstância, a partir da oportunidade de estudar com a tradução da língua oral para a de sinais, Natiuska Salleska observou-se como parte integrante da construção de conhecimento.
No segundo semestre de 2017, quando foi aprovada no curso de Letras-LIBRAS na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Salleska viu a possibilidade de pertencer a um curso pensado para suas necessidades individuais. “O curso da UFRN é bilingue, estudo os conteúdos com a língua de sinais para me ajudar. E, também, devido ao contato com outros surdos e ouvintes, há o desenvolvimento do aprendizado acadêmico e pessoal”, reforça a estudante do quinto período.
Seu cotidiano é guiado pelo anseio de que a comunidade ouvinte obtenha o interesse de aproximar-se de surdos para conversar, de diminuir os preconceitos que muitos alegam que não existem. “Minha família me criou para enfrentar o mundo. Apesar de não terem identidade surda, me incentivam a me posicionar como mulher surda. Por esse apoio, aceitei minha surdez facilmente logo na infância. O que me inquietou foi o ensino. Sempre”, relembra a jovem. Essa insatisfação levou Natiuska ao cargo de presidente da Associação Surda de Parnamirim por três anos. Ao longo de seu mandato, que iniciou quando tinha 18 anos, empenhou-se na apresentação de palestras para surdos e na contratação de intérpretes para o instituto. Este objetivo pode parecer fácil, mas não foi atingido durante os anos em que esteve à frente da instituição, o que reflete as vivências dos surdos no estado do Rio Grande do Norte.
Em 2019, Natiuska Salleska está focada na conclusão de seu segundo curso superior. Nesse mesmo ano, indivíduos com identidade surda em Natal são impossibilitados de aprender nas escolas pela falta de intérpretes habilitados. Na capital, 204 profissionais atendem 459 alunos surdos. Segundo a Secretária de Educação, a efetivação da documentação dos professos demora aproximadamente 60 dias, o que causa a diminuição no número de intérpretes de LIBRAS nas instituições educativas.
A luta pela conquista de direitos é diária. Cada garantia deve ser glorificada, mas quando se existe em uma realidade de constantes cortes de direitos, os das minorias são os primeiros a serem esquecidos. Natiuska está no início de sua juventude, com sonhos de trabalhar como servidora pública, avançar para um mestrado, tornar-se doutora em LIBRAS. Entretanto, o direito de “garantia do direito à educação das pessoas surdas ou com deficiência auditiva” não é respeitado quando crianças são autorizadas a passarem dois meses sem o acompanhamento de um intérprete. Natiuska reconhece seus êxitos, mas não esquece que será verdadeiramente livre somente quando a liberdade for para todos.