O que melhorar na lei que há 13 anos é uma esperança contra o feminicídio no Brasil?
Manuela Torres
O Brasil é o quinto país do mundo com maiores taxas de feminicídio, segundo o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), e é com base nisso que muitas medidas protetivas têm sido implantadas no país nas últimas décadas, entre elas, a Lei Maria da Penha, em vigor desde 22 de setembro de 2006. Por este motivo, na última quarta-feira (20), a Associação Brasileira de Advogados do Rio Grande do Norte (ABA/RN) promoveu uma mesa redonda, no Centro Administrativo de Natal, sobre a atualização e o fortalecimento da lei que combate os crimes de violência contra a mulher.
A advogada Jéssica Medeiros foi quem abriu o debate, atentando para a diferente perspectiva com o que deve ser encarado quem comete o crime. Segundo ela, tanto a vítima, quanto o agressor, são resultado de um machismo enraizado na sociedade brasileira e que a educação é uma ferramenta preventiva mais eficiente de que a punição. “Olhar para o agressor não é não olhar para a vítima, mas é analisar a situação sob outra perspectiva” comenta a psicóloga. Além disso, ela acrescenta que “combater o machismo é trabalhar a reintegração do agressor”, finaliza. Seu ponto é de que o machismo deve ser combatido na infância e que o sistema prisional deve trabalhar a reintegração do agressor que, um dia, irá voltar para a sociedade.
A promotora Érica Canuto pontuou sobre a ineficácia do endurecimento da lei Maria da Penha. “O foco tem que ser a proteção e a prevenção, não a punição”, argumentou. “Como eu vou apostar minhas fichas em um sistema criminal que eu sei que não funciona? Pra violência doméstica no Brasil, o sistema criminal ainda não funciona”, finaliza Érica. A promotora citou as creches como exemplo de medida preventiva, levando em consideração o fato de muitas vítimas dependerem economicamente de seus agressores e muitas mulheres não adentrarem no mercado de trabalho devido a não terem com quem deixar suas crianças. Frisando mais uma vez a necessidade de educação de qualidade e defendendo a eficiência de uma mudança de cultura, em detrimento à prisão de todos os agressores. “Ninguém nasce machista, nós aprendemos a ser” concluiu.
O debate contou com a fala da paraibana Margareth Gondim, uma das primeiras delegadas do RN, que foi homenageada com o recebimento da cidadania potiguar em junho do ano passado, em prol de seus 14 anos a frente da delegacia da mulher. Ela pontuou a negligência perante a violência contra mulheres idosas e, novamente, a necessidade da educação na primeira infância dentro de casa. “Minha avó nasceu por volta de 1898 e ela que me criou e dizia ‘estude, trabalhe, se forme e não dependa de ninguém’, é o que vocês chamam de empoderamento, eu chamo de cidadania e vou chamar até o último dia da minha vida”, comentou.
Lei Maria da Penha
O medo e a vergonha ainda são os principais motivos pelos quais milhares de mulheres não denunciam seus agressores. A cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que foi a homenagem escolhida para intitular a lei 11.340, foi vítima de agressão por 23 anos de seu ex-marido, Marco Antônio Heredia Viveros. Em 1983 ele tentou matá-la duas vezes, primeiro simulando um assalto com arma de fogo, o que acabou por deixar Penha paraplégica e a posteriori por eletrocussão e afogamento enquanto ela tomava banho. Apenas dezenove anos depois (outubro de 2002) Heredia foi condenado, cumprindo somente dois anos de prisão (um terço da pena). Foi solto em 2004 e está livre até hoje. O episódio chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e foi considerado, pela primeira vez na história, um crime de violência doméstica. A gravidade da situação obrigou o governo brasileiro a criar e aprovar um novo dispositivo legal que trouxesse maior eficácia na prevenção e punição da violência doméstica e familiar no Brasil. Assim, em 7 de agosto de 2006, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei Maria da Penha.
Dados
- No Brasil, 54% da população conhece uma mulher que já foi agredida pelo parceiro. Em todas as classes econômicas.
(Fonte: Pesquisa “Percepção da sociedade sobre violência e assassinatos de Mulheres”, de 2013).
- A maior parcela da população (85%) acredita que mulheres que denunciam seus parceiros correm mais riscos de sofrer assassinato.
(Fonte: Pesquisa “Percepção da sociedade sobre violência e assassinatos de Mulheres”, de 2013).
- Somente em 2015, a Central de Atendimento à Mulher – 180 –, realizou 749.024 atendimentos, ou 1 atendimento a cada 42 segundos. Desde 2005, são quase 5 milhões de atendimentos.
(Dados divulgados pelo Ligue 180)
- Duas em cada três universitárias brasileiras disseram já ter sofrido algum tipo de violência (sexual, psicológica, moral ou física) no ambiente universitário.
(Fonte: Pesquisa “Violência contra a mulher no ambiente universitário”, do Instituto Avon, de 2015).
- O Brasil registrou um estupro a cada 11 minutos em 2015. No entanto, levantamentos regionais feitos por outros órgãos têm maior ou menor variação em relação a isso. Calcula-se que estes sejam apenas 10% do total dos casos que realmente acontecem, ou seja, o Brasil pode ter a medieval taxa de quase meio milhão de estupros a cada ano.
São os Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
- Cerca de 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes. Quem mais comete o crime são homens próximos às vítimas.
(Fonte: Ipea, com base em dados de 2011 do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde)
- Há em média 10 estupros coletivos notificados todos os dias no sistema de saúde do país, porém 30% dos municípios não fornecem estes dados ao Ministério.
(Dados do Ministério da Saúde de 2016, obtidos pela Folha de S. Paulo).
- Somente 15,7% dos acusados por estupro foram presos.
(Dados do estado de São Paulo obtidos pelo G1, referentes aos meses de janeiro a julho de 2017)
- A cada 7.2 segundos uma mulher é vítima DE VIOLÊNCIA FÍSICA.
(Fonte: Relógios da Violência, do Instituto Maria da Penha)