Foto: Ana Luiza Vila

Por Manuela Torres

“Eu acabei de completar 80 anos e um velho se comove muito” brincou o teólogo e intelectual, Leonardo Boff, à plateia de aproximadamente mil pessoas acomodadas dentro e ao redor do Auditório Otto de Brito Guerra, da reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no último dia 13. Como convidado da 10° edição do projeto “Na Trilha da Democracia”, realizado pela ADURN Sindicato, Boff expressou suas convicções sobre a democracia e os direitos humanos no Brasil hoje, além de atentar para a causa ecológica, conhecida mundialmente como uma de suas bandeiras.

Apesar de ser assumidamente socialista, o intelectual afirma não pertencer a nenhum partido político brasileiro. Suas convicções atuais, que se aproximam dos ideais esquerdistas, provêm de uma análise da situação política do país desde o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. “A democracia é representativa, mas não representa o povo, e sim os interesses da classe dominante, o ideal máximo da democracia seria ser participativa, pois tudo o que diz respeito ao povo deve ser discutido pelo povo” opinou Boff. Com duras críticas à Jair Messias Bolsonaro, Boff -que já foi pensado a ser indicação para o Nobel da Paz- atentou para uma intolerância profunda no Brasil, orquestrada “de cima para baixo”, que ameaça os direitos humanos. “Há um risco que haja uma divisão física da sociedade, segundo alguns cientistas”, alertou e elucidou ainda sobre as teorias marxistas, citando o livro “A miséria da Filosofia”, que

já previa a luta de classes e a desigualdade social. E sem deixar de fora a causa ambiental concluiu: “ou nós acabamos com o capitalismo, ou o capitalismo vai acabar com o planeta”.

Relembrando a tragédia ocorrida na cidade de Suzano, na manhã do mesmo dia 13, Boff também criticou a liberação do uso de armas e o baixo teor intelectual com que algumas autoridades brasileiras tratam assuntos sérios, citando em sua fala o atual presidente da república e o atual ministro da educação. Expressou sua preocupação ao relembrar um vídeo de março de 2017 em que Bolsonaro diz “ nós temos que acabar com mimimi, acabar com essa história de feminicídio, que daí com a arma na cintura vai ter é homicídio, tá ok?”, e alertou que esse tipo de humor, incoerente com um cargo político, acaba por estimular valores que, em teoria, devem ser combatidos pelo Estado, tais como a insegurança e o desrespeito.

Como conclusão, Boff lançou a seguinte pergunta ao público: “Qual é o próximo passo? ”. Após decorrer sobre a necessidade da internacionalização e preservação da Amazônia e sobre as ameaças que a natureza brasileira sofre com o atual governo, o teólogo da libertação também citou suas próprias teorias, presentes em suas obras, nas quais afirma que a Terra é um organismo vivo e também necessita de cuidados. Dessa forma, defende que a educação social e ambiental é uma saída para conscientizar a sociedade do mundo sobre as severas alterações climáticas que ocorrem. E suas críticas ao capitalismo, presente em sua afirmação “tudo virou mercadoria”, ressaltam que há outras maneiras de se viver, com menos desigualdade social e menos maus tratos à “Mãe Terra”. Expressou sua indignação “hoje 12 pessoas detêm mais riquezas que todas as demais” e alertou que se esse ritmo permanecer, será como um índio lhe disse certa vez “quando exterminarem tudo e todos os animais, nós morreremos de solidão”.

OPINIÃO DA PLATEIA

Com um público de aproximadamente de mil pessoas, a partir de um cálculo de área, Boff atraiu não somente visitantes da UFRN, mas também de toda a comunidade externa. O público católico, entre padres e fiéis também se fizeram presentes. A secretária adjunta de educação do estado, Márcia Maria Gurgel e a assessoria de imprensa da governadora Fátima Bezerra, também compareceram. Além dos presentes no auditório da reitoria, um telão também foi posicionado do lado de fora, para que os demais expectadores pudessem assistir.

Para a católica Kilza Gomes, 71, a motivação para ir à palestra foi o tema em questão a ser discutido por um teólogo e frei. Ressalta “O fato de acompanhar Leonardo não é somente porque sou católica, mas pelas convicções políticas dele, que também se alinham com a do Papa Francisco”. Ela admite que a democracia brasileira e os direitos humanos, a seu ver, estão sendo ameaçados, e cita um livro do próprio palestrante “é nas crises que realmente a gente cresce e se reinventa” e acrescente “Leonardo é sempre uma palavra de esperança”.

Público protesta durante a palestra contra um ano do caso Marielle

Foto: Ana Luísa Vila Nova