Trabalhadores e integrantes do grupo Somos se juntam a favor de direitos trabalhistas e contra a repressão militar no 1° de maio de 1980 | Foto: Fernando Uchoa

Por Anderson Oliveira, Aíla Matos, Mariana Zanchetta, Natalhia Pereira e Nicollas Vicente

O dia 1 de abril de 2025 marcou 61 anos de um dos períodos mais sombrios e
devastadores da história do Brasil: o Golpe Militar de 1964. O autoritarismo, aliado à
repressão militar, dizimou direitos sociais, sequestrou e assassinou inúmeros brasileiros que representavam uma ameaça ao sistema vigente. A comunidade LGBTQIAP +, que já sofria com a marginalização dentro da sociedade, foi duramente perseguida e violentada durante essa época. Com a negação do simples direito de existir, a comunidade permaneceu na luta, e sua memória em forma de resistência continua viva para que não se esqueça e nunca mais volte a acontecer.

A ditadura militar não foi apenas um processo de opressão política – no sentido da
perseguição aos opositores alinhados, ou lidos como alinhados, ao comunismo –, foi,
também, um processo de opressão moral e sexual conforme as suas ideias conservadoras.
Além dos crimes físicos, o aparato estatal opressor também buscava oprimir e extinguir todo corpo que ia contra os ideais conservadores e reacionários, sendo os corpos minoritários (com foco na comunidade LGBTQIAP+ ou “queers”) alvos vulneráveis a todo tipo de repressão: física, psicológica e subjetiva. Repressão esta, com seus resquícios no imaginário da população brasileira, que corrobora até os dias atuais.

Lembrar para não voltar

Pessoas LGBTQIA+ detidas no período da ditadura brasileira | Fotos cedidas pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo à revista Zum.

As condutas opressivas não se limitavam à opressão física ou moral. Eram
diversificadas e tinham o objetivo de domesticar os indivíduos que eram considerados
“rebeldes” ou “desviantes”, sendo os membros da comunidade LGBTQIAP+ e prostitutas os
mais afetados por essa conduta. Como todo regime autoritário, o que ocorreu no Brasil tinha a pretensão de atuar no subjetivo da população, ou seja, no seu imaginário e, dessa forma, moldar os seus pensamentos e consequentemente sua visão de mundo. Para isso, usaram um forte controle sobre a mídia brasileira, exterminando a liberdade de expressão da imprensa.

Não era incomum a veiculação de chamadas jornalísticas contra os ditos “rebeldes”,
em sua maioria contra “gays”, colocando-os como um grupo influente e marginal que podia
desviar a população dos “bons costumes”. Muitas vezes o próprio povo, revestido de
preconceitos, colocava homossexuais e pessoas trans como criminosos. Para a polícia
vigente, bastava estar vinculado de alguma forma a esses grupos – que costumavam se reunir nas grandes metrópoles, em guetos e becos, onde podiam “se esconder” – para serem detidos.

Mesmo não havendo, propriamente, uma lei que proibisse a existência desses grupos na
sociedade, ainda assim, os aparatos de repressão (polícia e militares) encontravam motivos
para prender membros da comunidade e travestis, normalmente com a premissa de que essas pessoas estavam cometendo o crime de “vadiagem” ou “atentado aos bons costumes”.

Manchete do jornal Lampião da Esquina | Imagem: CEDEM/ASMOB/CEMAP

Superando toda opressão e marginalização, a população LGBTQIAP+ brasileira
ainda encontrava forças e meios de resistência. O jornal “Lampião da Esquina” se consagrou em 1978 como uma imprensa alternativa criada e escrita por membros da comunidade, entre eles Aguinaldo Silva e Clóvis Marques. Porém, mesmo sendo uma forma de resistência, o jornal ampliava os seus debates. Era comum que tratasse de temas voltados ao feminismo, por exemplo. Suas matérias contribuíram também para a denúncia da opressão policial, que eram extremamente violentas contra mulheres trans e travestis – infelizmente, elas estavam e ainda estão sujeitas a trabalhos em condições precárias nas ruas –, enquanto a imprensa sensacionalista construía narrativas infundadas em relação à esses grupos considerados subversivos.

Jornal Lampião da Esquina, junho 1980

Mesmo com seu impacto e relevância, o “Lampião da Esquina” não durou muito tempo, encerrando suas atividades em 1981. As razões para seu fim foram diversas. Primeiramente, havia dificuldades financeiras: o jornal dependia de assinaturas e da venda em bancas, mas enfrentava boicotes e a resistência de comerciantes que se recusavam a distribuí-lo. Além disso, os anunciantes, temendo represálias, relutavam em associar suas marcas a um veículo que tratava abertamente de homosexualidade e questões de gênero.

Outro fator crucial foi a censura e a repressão política. Embora a ditadura estivesse caminhando para uma abertura gradual, a imprensa alternativa ainda sofria perseguições. O jornal frequentemente enfrentava dificuldades para circular e seus colaboradores estavam sujeitos a intimidações.

Apesar de sua curta duração, “Lampião da Esquina” abriu espaço para debates sobre sexualidade e direitos LGBTQ+ em uma época de forte repressão e ajudou a pavimentar o caminho para a imprensa queer e ativismos posteriores no Brasil.

Protesto contra a remoção, feita pelo Governo Trump, à referências de pessoas trans do site Nacional do monumento de
stonewall. Foto: AFP

A lembrança da efeméride é fundamental para manter viva no imaginário popular a
sombria história de nosso país. Apesar dos esforços da população minoritária para combater o preconceito, o Brasil segue sendo, pelo 16º ano consecutivo, a nação que mais assassina pessoas trans e travestis, em sua maioria mulheres jovens, pretas, e nordestinas (ANTRA, Associação Nacional de Travestis e Transexuais). É de suma importância lembrar
cotidianamente o histórico opressivo do tratamento direcionado aos grupos LGBT+ para que possamos reconhecer na sociedade atual as maneiras nas quais a violência se reinventa.

Hoje, as travestis continuam precisando da navalha debaixo da língua pela carência
de recursos que as protejam dos males diários, enraizados profundamente em nosso corpo
social, e reproduzidos, especialmente, pelos veículos do conservadorismo. A recente ascensão de ideais fascistas, especialmente no grupo jovem, assusta aqueles que ainda sentem as dores do legado de seus antepassados presos, violentados e desaparecidos pelo Golpe Civil Militar Empresarial de 1964. Afirmar que não houve ditadura no Brasil é invisibilizar a dor das mais de 400 famílias (Comissão Nacional da Verdade) que nunca receberam respostas ou justiça.