Chega ao fim neste domingo, 30, a exposição “Dona Militana, tradução estética de narrativas da romanceira potiguar” na Pinacoteca do estado. A exposição esteve aberta gratuitamente ao público desde o dia 08 de março e transforma a história de Dona Militana (1925-2010), reconhecida como maior romanceira de versos e história do país, em um verdadeiro movimento artístico.
Realizada pela Editora da UFRN (EDUFRN) e inspirado no livro homônimo de Ângela Almeida, o projeto liderado por Rafael Sordi Campos e Marcos Paulo Moreira, expande a experiência literária para instalações tridimensionais e nos convida a conhecer não somente a vida e a obra Militana como também o impacto de seu trabalho na preservação da memória cultural potiguar.
Foto: Emily Silva
“Vim de uma cultura dos pés rachados do sol. Eu tinha que pular nas sombras para aliviar a quentura do roçado. E hoje sou inventadeira das coisas. Pra mim a vida é um grande moinho” – Dona Militana
Nascida em 1925, no sítio dos Oiteiros em São Gonçalo do Amarante, Maria José, como era chamada pela família, desempenhou um papel fundamental na conservação da tradição oral brasileira. Ainda que analfabeta e proibida de cantar pelo pai, Sr. Anastácio Salustino, utilizou o tempo dedicado ao trabalho no roçado para memorizar inúmeras histórias e versos que narravam contos vindos da cultura medieval e ibérica. Seus romances foram capazes de preservar parte da memória coletiva e tradições de diferentes culturas, uma vez que sua obra transcende fronteiras e carrega elementos brasileiros, indígenas, africanos, medievais e ibéricos.
“O meu livro era terra, o cabo da enxada era o lápis e o ferro de cova era a pena” – Dona Militana
Exposição Dona Militana | Ingred Maciel
Ganhou reconhecimento somente a partir de 1985, quando o folclorista Deífilo Gurgel, responsável por documentar o trabalho de seu pai, descobriu a memória ancestral rica e preservada nos romances Militanos. Com mais de setenta romances em seu repertório, foi projetada nacionalmente pelo poeta Dácio Galvão e homenageada com a Comenda de Mérito Cultural em 2005. Mesmo com a fama, permaneceu fiel às suas origens até sua morte em 2010, deixando um legado de resistência cultural e valorização da oralidade popular.
“Tenho mais de 55 romances aqui no quengo” – Dona Militana
O livro de Ângela Almeida é um dos primeiros frutos de um movimento inspirado por Dona Militana, a obra expõe os visitantes e leitores às criações da romanceira de forma palpável mesclando realidade e ficção, letras e ilustrações, para demonstrar sua influência sobre a cultura nordestina, bem como a sua ligação com a ancestralidade e história afro-brasileira, uma vez que ela nunca escondeu suas raízes.
Foto: Emily Silva
Sua influência não se limita às páginas do livro. As colagens digitais de Rafael Sordi, assim como as obras “Raízes da Memória” e “Baluarte” demonstram de forma enriquecedora a história de Dona Militana, para além da oralidade, utilizando sua trajetória de vida como inspiração para as obras, que faz referência a sua origem. “Raízes da Memória” é uma das peças centrais da exposição e nela a mandioca representa a terra, enquanto raiz, remetendo ao trabalho no roçado com seu pai e as linhas representam as lembranças da autora, que se conectam as raízes e aos cestos que representam sua família, uma vez que família produz cestos até hoje.
Rafael Sordi Campos, responsável por desenvolver o projeto gráfico da exposição, diz que essa apresentação “busca não apenas homenagear Dona Militana, mas também explorar novas formas de difundir o conhecimento e a cultura popular, unindo literatura, artes visuais e memória coletiva em uma experiência sensorial.”
O Projeto Laçaço apresenta, nesta quarta-feira (16), uma exposição aberta ao público na galeria do Departamento de Artes (DEART) da UFRN. A exibição inicia...