Valentim, em momento de doação das tampinhas na sede do projeto em Candelária, bairro na cidade do Natal - (Foto: Arquivo Pessoal)

Por Gabriel Soares, Ivanez Terceiro, Larissa Torres, Rafaela Maria, Rosiane Ferreira

Uma tampa de plástico demora entre 400 e 450 anos para se degradar completamente no meio ambiente, a depender do tipo de plástico e das condições ambientais. Enquanto a natureza segue seu ritmo lento na decomposição dos resíduos, em Natal um projeto ajuda a acelerar o destino desse plástico, transformando tampinhas em um gesto de humanidade. “Tampinhas da Inclusão” é uma iniciativa que recolhe tampinhas plásticas e as converte em cadeiras de rodas para locomoção ou banho de pessoas com mobilidade reduzida.

Proposto pelo Vereador Tércio Tinoco em 2021, o projeto consiste na arrecadação de tampas plásticas para a reciclagem e que posteriormente são trocadas por cadeiras de rodas, estas doadas a pessoas com dificuldade de mobilidade que estão em situação de vulnerabilidade social e financeira. Os equipamentos proporcionam uma maior qualidade de vida aos contemplados, de 2021 para cá, mais de 1500 cadeiras de rodas foram entregues à população potiguar.

“Eu sempre digo que o projeto ‘Tampinhas da Inclusão’ é um tripé: onde a gente ajuda tanto na sustentabilidade, o meio ambiente… a gente ajuda na inclusão social das pessoas com deficiência, e o terceiro tripé são os voluntariados, que é a população de Natal, do Estado do Rio Grande do Norte: eles juntam suas tampas”, explica o vereador. As tampinhas recolhidas passam por um processo de limpeza e triagem antes de serem enviadas à fábrica parceira, a Acquafort, localizada em São José de Mipibu (RN). Lá, o material é transformado em novos produtos plásticos, que se convertem na “moeda de troca” para a aquisição de cadeiras de rodas e cadeiras de banho. Segundo o vereador, a cada 300 quilos de tampinhas é possível garantir uma cadeira.

Ele explica que a iniciativa surgiu em resposta a uma demanda crescente. “Muitas pessoas passam anos esperando uma cadeira pelo poder público. No nosso projeto, entregamos em meses, às vezes em semanas, dependendo do volume arrecadado”, afirma.

Seu Manoel, de 71 anos, quando recebeu a cadeira de rodas em
setembro/2025 – (Foto: Arquivo Pessoal)

Só em setembro deste ano, mês dedicado à visibilidade das pessoas com deficiência, 27 cadeiras foram entregues. Uma delas foi para o seu Manoel, aposentado de 71 anos, residente do bairro de Nossa Senhora da Apresentação em Natal. O idoso de olhar sereno e lembranças felizes conta que foi afetado por uma crise de diabetes no primeiro semestre deste ano e teve de se submeter a uma série de pequenas amputações em sua perna esquerda que culminaram na remoção total do membro abaixo da altura do joelho. O idoso que vive em um puxadinho da casa de seu filho, conta que não possuía recursos para adquirir uma cadeira de rodas por conta própria, e ao ouvir de conhecidos sobre o projeto idealizado por Tércio, entrou com pedido para obtenção do equipamento.

“Eu vejo que é um negócio muito interessante esse trabalho aí, saber que o rapaz está fazendo esse trabalho é muito gratificante mesmo, porque só o tempo que dá para juntar essas tampas, meu amigo, não é fácil não”, afirma seu Manoel, ao ser questionado sobre sua percepção do projeto.

Além de essa ação ser um exemplo de inclusão, ela também é um grande exemplo sobre sustentabilidade e ajuda ao próximo. Seguindo este caminho, com os mesmos ideais, o jovem Valentim Araújo, de 7 anos, morador do bairro Lagoa Nova em Natal, busca sempre contribuir na causa. “Para o Valentim, enquanto criança, eu acho importante para ele. O que a gente faz na infância fica para a vida toda. Com certeza, quando ele crescer, ele vai cuidar mais do planeta, vai ter mais essa visão sustentável da vida, da cidadania. Ele já sabe que ele ajuda muitas pessoas com relação às cadeiras de roda”, relatou Rayanne Araújo, de 42 anos, terapeuta holística, mãe do Valentim.

Valentim tem uma síndrome genética rara, Rubinstein-Taybi (SRT), e apresenta à sociedade a perseverança em querer ajudar o próximo e, como resultado de seus esforços, mobiliza outras pessoas a também contribuírem com a causa. Entre eles, sua família, vizinhos e até desconhecidos que o veem e acabam por seguir o mesmo caminho da criança, que recebeu a alcunha de “príncipe das tampinhas”, pelos idealizadores do projeto. “A faxineira daqui de casa traz, os ASGs do condomínio, os vizinhos… acaba virando uma mania, uma mania boa”, relata Rayanne.

Vereador Tércio Tinoco – (Foto: Rosiane Ferreira)

O projeto tampinhas da inclusão, ainda que extremamente benéfico para a sociedade externa, já enfrentou desconfianças dentro da câmara e por parte de empresas privadas em seus primeiros meses de aplicação. Tércio afirma que no início as pessoas achavam que era um projeto de politicagem, mas com o passar do tempo, ganhou mais credibilidade, inclusive de empresas. “Hoje todos os supermercados Nordestão têm um ponto coletivo do Tampinha. Todas as lojas Miranda Computação têm um ponto coleta do Tampinha, todos os DNA Center tem uma coleta do Tampinha. Grandes empresas em Natal já aderiram ao nosso projeto por causa da credibilidade.”, aponta o vereador. Tércio ainda afirma: “Eu sou o idealizador, porque o dono é a população de Natal e do Estado”.

E nessa toada, conseguindo captar empresas parceiras para a inserção de pontos de coleta, e agregando pessoas físicas que se somam ao projeto; o Tampinhas da Inclusão segue promovendo políticas equitativas na distribuição de cadeiras de rodas para indivíduos com mobilidade reduzida. Subsistindo sem apoio público, apenas pelos recursos do mandato do vereador Tércio, o projeto já ultrapassou as divisas municipais e estaduais de seu local de origem, alcançando suas atuações sobre cidades do interior como Parnamirim, Ceará Mirim e São Gonçalo do Amarante, bem como vem inspirando projetos em caráter regional de vereadores nos estados da Paraíba e Alagoas.

O projeto é um raio de esperança em meio a uma sociedade capacitista que insiste em não oferecer as devidas condições para oportunização de cidadãos com mobilidade reduzida. E atesta a viabilidade de converter dejetos poluentes em equipamentos com função social elevada, corroborando para a melhorias nas frentes da sustentabilidade e inclusão, ao mesmo tempo.