O sorriso de Ana Luiza.
Especialista em diversidade sexual e de gênero explica os termos mais adequados para se referir às orientações sexuais. 20ª Parada LGBTI+ é realizada em Natal este fim de semana.

Por Yasmin Alves

Guilherme Souza, 19, é estudante e homossexual. Desde pequeno olhava para garotos, e algo lhe chamava atenção, mas era abstrato e guardado só para ele. “Eu nunca falei para ninguém, era algo da minha cabeça. Mas, mesmo assim, eu me forçava a falar de meninas, como os outros garotos”, afirma o estudante com um olhar cheio de sentimentos.

Aos 12 anos, quando uma amiga próxima se assumiu lésbica, Guilherme se sentiu confortável, pois notou que não era o único. Isso o fez ter coragem e também se assumir, na época, como bissexual. No entanto, a orientação com a qual ele se assumia naquele momento era para amenizar o cenário frente o ao turbilhão de incertezas que rodeavam a sua cabeça em relação ao mundo. “Eu notei que me declarava bissexual para amenizar a situação. Eu era um bissexual que so só via homens, que só prestava atenção nos meninos”.

Às vezes é preciso apenas de uma ocasião para podermos confirmar um sentimento já existente no coração. Esse foi o caso de Ana Luiza Villa Nova, 21, lésbica. Ela já sabia da existência de algo diferente em relação ao que lhe atraia desde cedo. Então foi aos seus 12 anos, com uma amiga de colégio, o seu primeiro beijo e suas primeiras sensações amorosas. “Meu primeiro beijo foi com uma mulher, não tinha mais como haver dúvidas”, conta.

Maria Júlia, 20, também lésbica, lidou com sua descoberta no auge dos seus 14 anos e isso fez com que as coisas ao seu redor começassem a fazer sentido, vencendo barreiras com ela mesma e aprendendo a lidar com a sua orientação sexual. Mas, ainda assim, conviver em sociedade é delicado. Nem todos sabem lidar com o modo de vida do próximo. Maria Júlia, no colégio, foi envolvida em rumores maldosos, dos quais ela mesma sabia, mas relevava em razão da sua ingenuidade. Contudo, anos depois, fazendo uma limpeza em sua caixa de e-mails, ela encontrou algumas notificações do passado em seu Tumblr, com perguntas do tipo “Você é bi?” ou “Por que você não fala? Você tem vergonha?”.

“Me deu um sentimento ruim, porque eu já era meio diferente das outras pessoas do colégio e vi que um dos motivos de eu não me enturmar muito com ninguém. É porque eles provavelmente sabiam e achavam estranho. Eu acho que na época não era a coisa mais normal do mundo e, apesar de hoje em dia ser um pouco menos intenso, não deixa a situação mais fácil de lidar”, explica.

Para algumas pessoas, os termos referentes a esse assunto podem ser confusos.  Diante disso, o Assistente Social e Especialista em diversidade sexual e de gênero, Tibério Oliveira, explica o significado da sigla LGBTI+. Segundo ele, “Refere-se a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Interssexuais e a outras identidades de gênero”. De acordo com Tibério, gênero é a construção cultural dos corpos, enquanto sexo é a via de diferenciação desses corpos.

Assim, a sigla se refere às diferentes identidades de gênero e sexo muitas vezes marginalizadas pela sociedade. Lésbicas e gays são pessoas que sentem atração por outras pessoas do mesmo sexo, já bissexuais se atraem por ambos os sexos. Enquanto isso, travestis são aqueles que não se identificam com o sexo de nascimento, adotando uma postura e vestimenta do sexo oposto. Transexual é o indivíduo que se sente pertencente ao outro sexo e, por isso, realiza uma mudança de sexo, podendo ser através de cirurgia ou do uso de hormônios. Os transgêneros, por sua vez, são caracterizados por possuírem a identidade de gênero diferente daquela do seu nascimento. E, por fim, a interssexualidade, é qualquer alteração presente nos caracteres sexuais, partindo para uma visão biológica.

Guilherme afirma que, em seu caso, enfrentar a sociedade não é a coisa mais difícil do mundo, contudo há de ser forte para que seja algo confortável, a fim de poder ser quem realmente é. “Nunca apanhei por ser gay, nunca levei um murro ou um tapa, mas você se sente sempre cercado. Por exemplo, quando se assume homossexual, você passa a ter questões que uma pessoa hétero (heterossexual) não tem a preocupação de ocupar a cabeça dela com isso. Quantas vezes um casal hétero já se sentiu desconfortável em estar andando de mãos dadas no shopping? Posso apostar que isso nunca aconteceu. Mas se eu estou de mãos dadas no shopping com meu namorado, eu me sinto desconfortável, porque sei que incomodo algumas pessoas. Daí eu fico pensando nas pessoas ao meu redor”, reflete.

Ana Luiza compartilha da mesma realidade do rapaz. Pensar naquele que ainda não entende a pluralidade sexual e de gênero ainda é uma questão recorrente. “Se será aceita ou bem vista em um meio social sempre é a primeira coisa que passa na cabeça de alguém que toma conhecimento sobre sua orientação. A reação das pessoas é uma incógnita, até você tentar e ver o que acontece”.

As palavras são tocantes, entretanto é a realidade de muitos homossexuais. Ana Luiza, felizmente, nunca deixou essa situação ser um problema grande para ela, enfrentando o medo e fazendo com que ele não a domine nem a reprima de alguma forma, compartilhando do mesmo sentimento de Guilherme. “Sempre soube o que eu era e o que eu queria e acredito que esse auto empoderamento é extremamente importante para lidar com a sociedade. Nunca passei por nenhuma situação mais grave, apenas os comentários homofóbicos e geralmente machistas, que não deixam de fazê-los quando veem duas mulheres juntas. Ser mulher já é um risco. Ser mulher que ama outra mulher e não um homem, é um pouco pior. Mas também é uma revolução!”, afirma Ana Luiza. Sua fala possui uma grande importância para o encorajamento da comunidade LGBTI+, para que se possa enfrentar as diversas situações de homofobia encontradas no dia a dia em forma de luta.

Há de incentivar-se o afeto entre as pessoas, a homoafetividade existe e, ao contrário do que muitos pensam, ela não deve ter um significado pejorativo, mas uma designação de uma relação afetiva-sexual entre pessoas do mesmo sexo, explica Tibério. Visto isso, é urgente que termos errôneos sejam extintos do linguajar popular, o homossexualismo, por exemplo, foi por muito tempo utilizado de maneira errada, referindo a uma doença, diz o especialista. A causa do movimento LGBTI+ luta por mais respeito, igualdade e direitos no núcleo social, para que os indivíduos possam ser quem realmente são, sem ter medos e angústias das suas condições pessoais, andando nas ruas tranquilos sem se preocupar com aquilo que o outro pensa.

Sendo assim, os três entrevistados afirmam a importância da existência de eventos LGBTI+ na cidade, como diz Guilherme, “Para a comunidade LGBTI+, eu vejo que eventos são positivos, pois é lugar em que você vai sem medo de represália, onde você pode ser quem quiser, assim como todos os lugares que se dizem LGBT, porque essa causa é abraçada, com pessoas que simpatizam ou fazem parte.”.

20ª Parada LGBTI+ é realizada em Natal

A partir dessa necessidade de representatividade da temática, neste mês de setembro, é celebrado o Mês do Orgulho LGBTI+, que conta caracterizada com uma vasta programação que inicia no dia 8 e se estende até o dia 27. O calendário completo está na página do Facebook da Parada LGBTI+ de Natal.

Dentro dessa programação, será realizada da 20ª Parada LGBTI+ em Natal, nos dias 8 e 9 de setembro, das 15h às 0h, na Praça Ecológica de Ponta Negra. Wilson Dantas, organizador do evento, conta um pouco da história da festa: “A Parada iniciou com um pequeno grupo de pessoas utilizando como exemplo a Parada Gay de São Paulo, pensando, então, que poderia ocorrer aqui no Rio Grande do Norte. A primeira parada foi incipiente, onde realizamos um desfile no Centro da cidade, saindo do calçadão da João Pessoa, percorrendo a Rio Branco e retornando até a Praça Presidente Kennedy”.

A Parada atualmente possui apoio em nível estadual e municipal das Secretarias de Saúde, por meio dos programas de IST/AIDS e da Fundação José Augusto. A entidade que passou a organizar o evento é o Fórum LGBT. Wilson afirma que as expectativas para esse ano são as melhores, contudo ele diz que “Temos que demonstrar para a sociedade que embora a parada seja um evento festivo e alegre, o frevo também é luta. Nós buscamos mais diversidade e democracia”.

Não se pode esquecer de afirmar que todos são bem-vindos no evento. O público alvo é a comunidade LGBTI+, mas a parada é da diversidade e aglomera vários segmentos, negros, povos tradicionais de terreiros, mulheres, a pluralidade social, lidando com as comunidades marginalizadas e excluídas. “A parada é um símbolo maior da nossa luta, nós passamos 365 dias do ano sofrendo. Então a parada culmina com os 365 dias do ano para comemorar e relembrar das nossas lutas e bandeiras”, finaliza Wilson.

A programação do sábado (8) contará com a presença de DJs; da Banda me Dê Papai; Aline Alves e Isaque Galvão; Bonde N1; Brunno Hernandez e Cebola Ralada. Já no dia (9) terá Jaloo; DJs; Walkyria Santos; Isaque Galvão; Brunno Hernandez e Banda Nêgo Zâmbi.

Por fim, em suas palavras Ana Luiza reforça a importância de eventos como esse para o Grupo LGBTI+: “É fundamental! Acho que uma parcela da sociedade enxerga o evento só como uma festa ou até mesmo uma bagunça, mas vai muito além. É uma festa de celebração, mas, mais do que isso, é um ato político! O Brasil é o país que mais mata população LGBTI+ no mundo e, em contraste, é um dos países que mais abriga essa população. Essa união entre instituições, grupos e representantes é um dos momentos em que a cidade e até mesmo o país, volta o olhar para nós. Se lembram que nós existimos, resistimos e que só reivindicamos os mesmos direitos que todos os cidadãos”.